Cena de
Cena de "Terra de Matadouros", da Brava Companhia - Foto: Jardiel Carvalho

Boas surpresas aguardam o espectador que se dispuser a ir até o bairro de Santo Amaro, na zona sul de São Paulo, assistir ao espetáculo Terra de Matadouros, da Brava Companhia. O nome da peça remete a Santa Joana dos Matadouros, de Bertolt Brecht, texto que serviu para a adaptação livre de Fábio Resende com ajuda de Ademir de Almeida. O pano de fundo continua sendo a sordidez do capitalismo. Mas a montagem do grupo da periferia paulistana procura espanar a poeira assentada das costumeiras críticas à obra do dramaturgo alemão para mostrar que, a rigor, pouco mudou: a luta de classes ainda move as relações sociais.

Terra de Matadouros surpreende, de partida, por quebrar a sisudez de um tema tão árido que questiona a exploração do trabalhador. É teatro militante, mas entrecortado pela caracterização de personagens alegóricos e até cômicos que, se não baixam as bandeiras, dão um respiro de tempos em tempos para as cenas. O espetáculo tem 105 minutos e os atores se permitem criticar a sua duração, talvez arrastada demais, como forma de fisgar um naco final de atenção da plateia. Outra boa surpresa é a capacidade de seis atores no palco (Ademir de Almeida, Elis Martins, José Adeir, Márcio Rodrigues, Max Raimundo e Paula da Paz) darem conta de interpretar algumas dezenas de personagens. Não é difícil imaginar eles participando de uma assembleia lotada de trabalhadores.

Joana Dark (Paula da Paz, também cantora e compositora alagoana) é uma líder do grupo religioso Exército das Boinas Pretas, que, como outras denominações neopentecostais, procura levar um prato de sopa e algum conforto espiritual aos desempregados, miseráveis e desalentados. Brecht escreveu a peça entre 1929 e 1931, no auge do crash da Bolsa de Nova York. Naqueles anos, houve uma superprodução do mercado de carne nos Estados Unidos, o que fez com que o capitalismo encontrasse meios de colapsar (perdem-se os anéis) sem perder o ímpeto da apropriação que lhe move (mas os dedos ficam). Em Terra de Matadouros, o capitalista vilão é Pedro Paulo Bocarra (Ademir de Almeida), que vê oportunidades de lucrar mesmo quando o mundo desmorona.

É fácil fazer a associação com a indústria de carne brasileira, que avança pelo cerrado e pela Amazônia, e patrocina o capitalismo conservador cristão que se locupleta com um Jair Bolsonaro no poder. Não, essa indústria de carne não é culpa de Bolsonaro. Nos governos do PT ela já lucrava e muito, tornando-se uma das maiores exportadoras de proteína animal do mundo. Mas em qualquer momento o que se vê é que empresários como Bocarra sempre estão ganhando, porque é da natureza do capitalismo. Em Terra de Matadouros, Joana Dark rompe com os Boinas Pretas, flerta com o Partido Comunista, logo subjugado pelo poderio econômico do capital, e praticamente sozinha sucumbe diante das umbilicais relação que surgem entre os capitalistas, o Estado e a imprensa.

A Brava Companhia concebeu essa peça para ser montada em palcos e como teatro de rua. Na primeira, que cumpriu curta temporada no Centro Cultural Santo Amaro, equipamento cultural da Prefeitura de São Paulo, as cenas se passam em um palco suspenso, onde ficam os barões da carne, e o chão do palco, onde ficam a “ralé”. Já nas apresentações ao ar livre, a montagem ganha mais flexibilidade por poder aproximar atores e o público, que faz as vezes da massa trabalhadora.

Terra de Matadouros. Com a Brava Companhia. No Centro Cultural de Santo Amaro (Av. João Dias, 822). Dias 1º (sexta-feira às 10h30 e 20 horas), 2 (sábado ás 16h30 e 20 horas) e 3 de julho (domingo, às 18 horas).
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