Com pequenas variações, o chiste que intitula este texto é repetido por Luis Fernando Verissimo ao longo dos 90 minutos do documentário que protagoniza, que acompanha os 15 dias antes de seu aniversário de 80 anos – ele completa 88 em setembro que vem.
Talvez falte paciência a espectadores mais apressados, gente acostumada a acelerar áudios de whatsapp: no princípio, nada parece acontecer. A propósito, em passagens distintas do filme, ele diz ser contra celular e contra a passagem do tempo, entre tantas tiradas hilariantes.
Aos poucos vamos adentrando a intimidade de Luis Fernando Verissimo: primeiro vemos a fachada da casa, depois cômodos e móveis e por fim sua figura, a princípio desconfiada. Sua timidez é inversamente proporcional à qualidade e volume de sua obra; é autor de clássicos como Ed Mort (1979), O Analista de Bagé (1981), O Marido do Doutor Pompeu (1987) e Comédias da Vida Pública (1995), além das tirinhas de As Cobras, entre outros – em um muro de sua vizinhança vemos uma caricatura sua com os ofídios mais engraçados de todos os tempos sobre os ombros.
Verissimo, o filme, chegou esta semana às salas de cinema brasileiras e é, em parte, uma comédia da vida privada, (quase) como o título de um de seus maiores êxitos. Por um lado temos uma espécie de reality show, que mostra o escritor, desenhista, humorista e músico (jazzófilo, saxofonista do Jazz6, também é flagrado ouvindo rock em alto volume) em atividades prosaicas como sessões de exercícios físicos em domicílio, com acompanhamento profissional, e caminhadas no entorno de seu endereço, roncos no cochilo após um almoço em família, e é claro, no exercício do ofício de escritor, digitando seus textos em um computador – que também usa para jogar paciência.
Colorado, acompanha jogos do Internacional pela televisão, o time gaúcho às voltas com uma má fase. Descontraído, relembra do passado ao rever com atenção fotografias retiradas de um velho baú em meio à charmosa decoração de sua casa. Noutro momento, os netos fazem gato e sapato do vovô Verissimo.
O grande trunfo do diretor Angelo Defanti é fazer o filme possível, respeitando seu personagem. A relação com o pai, o também escritor Érico Verissimo (1905-1975), aparece em depoimento e em uma visita de Luis Fernando a uma exposição em homenagem ao autor de Olhai Os Lírios Do Campo (1938) e Incidente em Antares (1971). O filho revela o lado bom e ruim de ser colega de profissão do pai, um autor com certa projeção nacional: livros e escritores sempre estiveram presentes e foi possível a ele perceber desde cedo a importância da literatura, embora não tenham chegado a trocar figurinhas sobre o assunto. Em sua biblioteca, chama a atenção a grande quantidade de volumes de Fernando Sabino (1923-2004).
A literatura – e seu bom humor – comparecem em eventos: lançamentos e debates em torno de sua obra, onde sobram tiradas geniais, gargalhadas da plateia e a generosidade de um artista plural que, apesar de autodeclarado tímido, nunca se nega a uma foto ou autógrafo.
A vizinhança lhe oferece uma festa na véspera, e no dia de seu aniversário, uma boa farra em casa, com a presença de familiares e amigos próximos, inclui uma roda de música, na base do improviso. No dia seguinte, outro spoiler possível, Luis Fernando Verissimo liga o computador e continua escrevendo e jogando paciência.
Serviço: Verissimo (documentário, Brasil, 2024, 90 minutos), de Angelo Defanti. Em cartaz nos cinemas brasileiros.
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Veja o trailer: