Neil Young revela versões originais de "Like Hurricane" e "Powderfinger" - foto: divulgação

Nenhum artista no mundo teve sua discografia devassada como o canadense Neil Young, atualmente com 78 anos. Seu aparentemente infinito baú de preciosidades vem sendo explorado com intensidade desde 2006 na série Archives, com o resgate de shows ao vivo e a revelação de álbuns imaginados, mas cancelados antes do lançamento.

Um dos produtos de maior gabarito dessa sequência saiu em agosto, depois de circular muito em edições piratas e chegar ao mundo oficial sob o nome Chrome Dreams. O burburinho em torno do título é tal que, em 2007, Young havia gravado Chrome Dreams II, em alusão à própria mitologia, mas constituído por canções arquivadas em sessões de gravação de álbuns dos anos 1980.

“Chrome Dreams”, inédito por 46 anos, tem capa assinada em 1973 pelo rolling stone Ronnie Wood

Chrome Dreams original é constituído de um punhado de gravações datadas de um ponto de ebulição na história de Neil Young. Seria lançado em 1977, mas foi arquivado em favor de American Stars n’ Bars (1977), que conteve ao menos um clássico indelével do cancioneiro country-folk-rock de Young, “Like a Hurricane”. É uma fase de produtividade lancinante na obra de Young, entre os discos Tonight’s the Night Zuma (ambos de 1975) e a obra-prima Rust Never Sleeps (1979).

Chrome Dreams traz a primeira versão de “Like a Hurricane”, bastante parecida com a que ganhou mundo em American Stars n’ Bars, álbum que contou com o acompanhamento da banda mais constante do artista, Crazy Horse, e de um grupo especialmente constituído para a ocasião, The Bullets, com guitarra, violino e os vocais das cantoras country Linda Ronstadt Nicolette Larson.

Embora “Like a Hurricane” possua certo peso (e os mesmos mais de oito minutos da versão consagrada), Chrome Dreams é feito basicamente de arranjos despidos registrados entre 1974 e 1977, entre os quais figuram outras canções quer seriam incorporadas a American Stars n’ Bars, casos da linda “Will to Love”, das baladas country “Hold Back the Tears” e “Star of Bethlehem” e de “Homegrown”.

Gravado entre 1974 e 1975, “Homegrown” permaneceu arquivado até 2020

As duas últimas teriam integrado também um álbum gravado entre 1974 e 1975, que só veio à tona em 2020, com o título Homegrown. Outro suposto disco inédito do período apareceu em 2017 sob o nome Hitchhiker, com três faixas que retornam agora em Chrome Dreams.

“Hitchhiker”, álbum cancelado de 1976, foi lançado em 2017

Não há ineditismo em Chrome Dreams, pois todas as suas 12 composições foram aproveitadas em discos subsequentes. A bela “Look Out for My Love”, por exemplo, integrou o clássico country-rock Comes a Time (1978).

“Pocahontas”, “Sedan Delivery” e o trovão “Powderfinger” saíram em Rust Never Sleeps (1979), um dos melhores discos youngianos de sempre. A sublime balada “Powderfinger” revela-se despida do acompanhamento do Crazy Horse, mais curta e mais direta, porém menos impactante que a versão clássica. “Sedan Delivery” aparece em encarnação mais crua, mas também mais suave que a agressiva leitura com o Crazy Horse.

“Captain Kennedy” integrou Hawks & Doves (1980). “Too Far Gone” esperou 12 anos até ser lançada em Freedom (1989) e aparece mais nítida, cantada por um Neil Young de voz mais fresca e encorpada. O artista registrou “Stringman” ao vivo em seu Unplugged (1993), e essa outra versão surge também com aplausos ao final, mas registrada em apresentação de 1976 – não constitui, portanto, gravação feita em estúdio para o disco abandonado. É um detalhe que revela a carpintaria aplicada a posteriori aos agora ditos “álbuns perdidos” do velho caubói.

A mitologia dos discos perdidos alimenta o interesse por Chrome Dreams, mas de forma geral o álbum demonstra acima de tudo a habilidade de Neil Young em valorizar a própria obra, reconfigurando e recombinando canções já bastante destrinchadas, de modo a assanhar seus cultuadores mais profundos na busca de novidades vindas do passado. Essa é, de resto, uma das artes em que Neil Young é mestre, como demonstram as centenas e centenas de canções inéditas que ele até hoje não deixou de compor.

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