Entre as mais de 60 imagens que a compõem, duas, em especial, me chamaram a atenção na exposição “Divino: A Cidade e a Festa – 50 Anos Depois”, do fotógrafo, cineasta e professor Murilo Santos, em cartaz até 22 de setembro (sexta-feira) no Centro Cultural do Ministério Público (Rua Oswaldo Cruz, 1396, Canto da Fabril, Centro), com curadoria de Francisco Colombo.
As fotos a que me refiro, em preto e branco, mostram um grupo de crianças brincando de Festa do Divino. Os meninos e meninas retratados traziam dois pedaços de madeira, evocando o mastro oficial da festa, na cidade de Alcântara, que abriga a mais conhecida festa do catolicismo popular do tipo no Maranhão.
As imagens datam de 1994 e o autor escreve em sua legenda: “Uma grata surpresa para mim foi encontrar esse alegre grupo de crianças fazendo o seu “carregamento do mastro”, com um tronco devidamente enfeitado com galhos de murta. Um testemunho da garantia de continuidade da Festa do Divino Espírito Santo de Alcântara. Muitas dessas crianças de então, estão hoje envolvidas com os mastros do Império e Mordoma ou Mordomo Régio”, celebra Murilo Santos, a seguir identificando alguns personagens ali retratados.
A exposição ganha nova versão para celebrar a primeira visita de Murilo Santos à Alcântara em 1973, então integrando o Laboratório de Expressões Artísticas do Maranhão, o Laborarte, de que dirigiu o departamento de Cinema e Fotografia, até deixar o grupo alguns anos depois. Ele continuou visitando Alcântara regularmente, fotografando e filmando.
Também em 1973 Murilo Santos realizou seu primeiro filme, “Festa do Divino”, curta-metragem rodado em super-8, considerado por alguns pesquisadores o marco inicial da cinematografia maranhense.
Graça Mendes, apelidada Querida, ainda guarda a câmera utilizada nas filmagens. Este foi um dos reencontros possibilitados pela exposição. O compromisso de Murilo Santos com as artes visuais (é professor deste departamento, na Universidade Federal do Maranhão) está para além da técnica ou do mero registro. Ele filma e fotografa pessoas anônimas mas sabe que por detrás de cada clique – a exposição é composta de fotografias, fotogramas e frames – há toda uma história de vida, que ele procura, na medida do possível, conhecer, e tem a preocupação de permitir que os fotografados conheçam o resultado de seu trabalho, não raro a única oportunidade de alguns verem seu próprio retrato: durante muitos anos Murilo Santos visitou áreas pobres do Maranhão, registrando a luta por reforma agrária, conflitos fundiários e, particularmente, em Alcântara, a remoção compulsória de comunidades quilombolas para as chamadas agrovilas, com a instalação e expansão do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA).
Esse esforço ético e hercúleo da devolutiva permitiu a Murilo – e consequentemente a quem visita a exposição – conhecer os personagens que mantêm viva a tradição da Festa do Divino. Para tanto, contou com a colaboração de moradores de Alcântara, parentes de retratados e da Associação do Divino e da Cultura de Alcântara, instituição à qual foram doadas as imagens que compõem a exposição.
Serviço: “Divino: A Cidade e a Festa – 50 Anos Depois”, de Murilo Santos, pode ser visitada gratuitamente até 22 de setembro, em dias úteis, das 8h às 15h.