Para a terceira canção do lado B do elepê Lobo Solitário, The Bluesman, música de apenas 30 segundos, Edvaldo Santana não fez letra. Ele apenas articula scats de blues com a voz rouca, acompanhado por Paulo Cari na guitarra e Rainer Pappon no baixo. O lamento de blues de Edvaldo nessa faixa tão curta, entretanto, tem o poder de cingir um cânion nos ouvidos do ouvinte, aproximando paredões que parecem muito muito distantes – do aboio do sertão do Piauí ao canto de reunião de cabras de Ali Farka Touré no Mali, do rosnado de Blind Boy Fuller no Delta do Mississipi à malandragem de Raulzito do Cine Roma de Salvador.

Trinta anos depois de seu lançamento como um míssil independente da gravadora Camerati, em 1993, o lendário disco Lobo Solitário, de Edvaldo, paulistano de São Miguel Paulista, será tocado na íntegra nesta noite de quinta-feira, dia 20 de julho, 21h30, no Sesc Pompeia, em São Paulo. Ouvido atentamente hoje, da primeira à última faixa, é possível afirmar sem erro: trata-se de uma obra-prima.

Edvaldo conseguiu reunir, naquele ano de 1993, uma constelação de gigantes da música e da literatura em torno de seu conceito de um disco de blues: Paulo Leminski, Arnaldo Antunes, Haroldo de Campos, Ademir Assunção, Glauco Mattoso, Paulo Lepetit, Luiz Waack, Bosco Fonseca e Marcelo Farias. O que coloca Lobo Solitário num nicho particular das releituras de gênero realizadas pelo liquidificador da MPB é que, assim como a soul music de Luiz Melodia não é derivativa, o funk de Tim Maia não é vampirizante e o reggae de Gilberto Gil não é devedor, o blues de Edvaldo Santana é uma outra coisa adiante do blues tradicional, na linha de Cazuza e Angela Ro Ro – embora seja estruturado das fundações e dos cânones do gênero norte-americano, projeta-se em um novo amálgama musical.

Da foto na capa, evocação beat de Alucinação (do fotógrafo Milton Michida) ao roteiro minucioso, de ênfases e viradas de ritmo – do blues, passeia levemente pela Jamaica de Bob Marley com O Tonto e o Zorro, uma onda pop que desemboca no labirinto de Novelo, parceria com Arnaldo Antunes, e vai funkeando-se para o lado Torto sob uma percussão e um baixo hipnóticos que exalam as Galáxias de Haroldo de Campos. A Rússia Pegou Fogo na Sapucaí é a embolada de Edvaldo rumo ao Pagode Russo de Gonzagão, uma falsa balada que fala da emergência da Aids, da violência e da aceleração do futuro (“A morte é hit do verão”), desembocando num rock do crioulo doido (que logo vira o samba do japonês fusion com Samba do Japa, desconstrução do samba em parceria com Ademir Assunção).

O disco abre com um manifesto, a canção-título Lobo Solitário. Composta por Edvaldo e Sacha Arcanjo, é um blues tradicional enlevado pela guitarra de slides de Luiz Waack, também compositor, arranjador, violonista e multiinstrumentista. “Falam que pra mim o sinal está fechado/Que sou muito ansioso/Chego sempre atrasado”, canta Edvaldo. Três décadas depois, sabemos agora que ele chegou à frente, muito à frente. Nada remotamente parecido foi feito desde então.

Da banda que tocou no disco original, estarão em cena Luiz Waack, Daniel Szafran e Bosco Fonseca. Além deles, haverá participações especiais de Thaíde, Camila Taari, Rossana Decelso e Ademir Assunção.

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