Cena de
Cena de "Vista", monólogo de Julia Lund, da Cia Polifônica - Foto: Renato Mangolin/Divulgação

Vista, com Julia Lund, é uma peça tão corajosa quanto necessariamente desconfortável. Ela conta a história de uma mulher que foi estuprada e que se vê obrigada a sofrer a violência sexual repetidas vezes quando tem de descrever os fatos, falar sobre o assunto ou ao ser julgada pelo crime da qual foi vítima. São inúmeros gatilhos em uma montagem não recomendada para quem não quiser se sentir mal por tudo o que se verá e se ouvirá no palco. Daí reside a coragem desse monólogo.

A peça parte da obra Vista Chinesa, livro publicado em 2021 pela escritora Tatiana Salem Levy e baseado em uma história real. Julia Lund, da companhia carioca Polifônica, revive o trauma dessa mulher que decide seguir em frente da forma possível e para isso grava um vídeo a ser enviado um dia aos filhos contando tudo o que enfrentou. Na montagem, cenas passadas e presentes se intercalam, ora recapitulando os detalhes da violência sexual, ora mostrando a personagem Julia erguendo-se e retomando as rédeas de sua vida.

Em cartaz no Sesc Avenida Paulista, até 2 de julho, o monólogo é multimidiático, com projeções audiovisuais e música executada ao vivo. Vista conta a história de Julia, que decide correr na Floresta da Tijuca, como sempre fazia, e é apanhada por um homem armado que a leva para uma área afastada, agride-a brutalmente e deixa ela abandonada na mata. “Naquele momento em que quase morri, eu morri. Ele foi embora e eu fiquei morta”, diz a protagonista, em uma das várias frases chocantes do espetáculo.

A história traça um paralelo, aligeirado, entre o drama pessoal de Julia e o que se passava no Brasil de 2014, às vésperas de uma Copa do Mundo e que, em dois anos, o Rio seria a sede dos Jogos Olímpicos. Do ufanismo à maquiagem de um Brasil que não consegue conter a violência explícita de uma sociedade, onde Julia poderia ter sido mais uma vítima de um feminicídio, Vista mostra também a crueza e a falta de humanidade com que as autoridades policiais lidam com o crime de estupro, com o crime do horror.

No livro de Tatiana Salem Levy, o relato da protagonista é uma carta que a vítima escreve para que os filhos leiam no futuro, no qual ela tenta mostrar como vivenciou e curou as feridas. E ela conseguiu, de um jeito ou de outro. No monólogo, as idas e vindas da história, assim como no livro, tensionam e distensionam a narrativa, como se quisesse preparar o espectador/leitor para relatos que vão perturbar a qualquer um.

Dirigido por Luiz Felipe Reis, Vista conta com a performance musical de Pedro Sodré, que traz mais dramaticidade ao monólogo. Ao final do espetáculo, atravessado pelo duro relato de Julia Lund, fica a reflexão de por que ainda pouco é feito contra a violência inaudita contra o corpo feminino. “Há coisas que, mesmo depois de terem acontecido, continuam acontecendo”, diz a atriz em outra fala da personagem, outro soco no estômago, outra verdade difícil de encarar.

Vista. Com Julia Lund, da Polifônica. No Sesc Avenida Paulista, de quinta-feira a sábado (20 horas) e domingo (18 horas). Ingressos a 30 reais.

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