Em uma jornada de emoções, choro, desabafos, evocação de memórias afetivas, cantoria e absoluto predomínio feminino, a ministra da Cultura, Margareth Menezes, lançou na noite desta sexta-feira, 28, em São Paulo, em sua primeira visita à sede da Cinemateca Brasileira, na Vila Mariana, um ambicioso plano para o audiovisual e para a cultura brasileira. Acompanhada da Secretária do Audiovisual (SAV) do Ministério da Cultura (MinC), a produtora Joelma Gonzaga, Margareth veio a São Paulo para descerrar a “fita inaugural” do Edital Ruth de Souza para mulheres cineastas estreantes, que recebeu uma dotação de 20 milhões de reais para a produção de 10 filmes.
A homenagem a Ruth de Souza (1921-2019) levou às lágrimas desde a apresentadora da jornada até a presidente da Sociedade Amigos da Cinemateca, Dora Mourão, a ex-diretora da Ancine, Débora Ivanov, e diversas pessoas da plateia. O pioneirismo de Ruth (primeira atriz negra brasileira a protagonizar uma telenovela, e primeira a disputar um prêmio internacional de cinema) foi citado como um esforço de abertura de caminhos para as pessoas negras dentro do universo da TV, do cinema e da dramaturgia brasileiros. “Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”, disse Joelma Gonzaga (citando a ativista norte-americana Angela Davis), sobre o impacto que teve a atividade artística de Ruth de Souza na sociedade brasileira.
Em seguida, a secretária Joelma anunciou o investimento, no total, de 109 milhões de reais em 2023 por meio da Secretaria do Audiovisual do MinC. As ações afirmativas e reparatórias serão o foco dos novos editais. Segundo Débora Ivanov, representante da entidade + Mulheres Lideranças no Audiovisual Brasileiro, dados da Agência Nacional de Cinema, analisando 2 mil produções do País, mostraram que as mulheres são apenas 20% do número de cineastas e roteiristas de todo o contingente – e, nesse universo feminino, apenas 0,5% são mulheres negras.
Os investimentos diretos do MinC no setor preveem ainda a recuperação de equipamentos técnicos, como os que integram o complexo do Centro Técnico do Audiovisual, no Rio de Janeiro, que receberá 10 milhões para sua reforma do parque tecnológico de áudio e video, estúdios de mixagem e gravação, sistemas de dublagem de som, restauração de som, sala de animação, cabine de projeção e ilhas de edição. “As políticas públicas da última década não cumpriram plenamente seu papel, deixando de contemplar de modo eficaz as questões de gênero e raça”, afirmou Joelma Gonzaga. “As últimas políticas implementadas não consideram, por exemplo, a necessidade de intensificar as ações afirmativas para que a produção de mulheres e pessoas negras, indígenas e comunidades tradicionais pudessem ser efetivamente estimuladas e difundidas”.
Joelma também anunciou que a SAV esboça um plano, junto ao Ministério da Educação, para a total aplicação da Lei 13.006, que prevê a exibição de filmes de produção nacional nas escolas de educação básica. A SAV ainda estabeleceu negociações com o presidente da Agência Brasileira de Exportações e Investimentos (Apex), Jorge Viana, para o retorno do programa Cinema do Brasil nas embaixadas, assim como uma colaboração com o Instituto Guimarães Rosa, da divisão de cultura do Itamaraty. Outra frente de recursos que deve integrar em breve esse front de investimentos é a Lei Paulo Gustavo, que tem dois terços de sua verba destinada ao audiovisual. Joelma anunciou que a liberação dos recursos da legislação (3,8 bilhões de reais) será anunciado em Salvador, Bahia, no próximo dia 11 de maio, já com a definição das regras para distribuição aos entes federativos.
A ministra Margareth lembrou o ciclo virtuoso que a produção audiovisual alimenta, com a criação de empregos, formação cultural, representação simbólica e vitalidade econômica, algo que é reconhecido no mundo todo, mas que sofreu uma clara tentativa de aniquilação durante os últimos quatro anos do governo de Jair Bolsonaro. “A cultura voltou!”, ela disse, sob entusiásticos aplausos. “O que vocês precisarem aqui na Cinemateca, podem contar comigo”, prometeu.
Antes de sua fala para o auditório lotado da Cinemateca, Margareth fez uma visita técnica ao local, acompanhada de Dora Mourão, a presidente da Sociedade Amigos da Cinemateca, gestora do local, e de Débora Ivanov, que foi diretora da Ancine. A ministra lembrou das primeiras reuniões que teve com os gestores da instituição, quando ainda não era ministra (integrava o Grupo de Transição do governo Lula), e disse que ficou chocada com os relatos do descaso com que a Cinemateca tinha sido tratada até ali. A Cinemateca ficou 16 meses fechada, entre 2020 e 2021, com a antiga gestão da Cultura federal impedindo o acesso ao acervo pelo pessoal técnico, o que quase levou a um desastre de proporções imprevisíveis (pelo caráter inflamável de alguns filmes). Equipamentos caros e sofisticados, como um scanner, tinha até uma aranha morando dentro, contou Dora. Uma das primeiras medidas de Margareth foi aumentar em 30% o orçamento anual da entidade. Dora Mourão disse que a Cinemateca já experimenta um novo momento, uma espécie de renascimento, atingindo uma estrutura que se assemelha à que tinha antes da crise. “Hoje temos 80 colaboradores. Até o final deste ano, devemos chegar a 100”, afirmou, sendo muito aplaudida. “Antes da crise, tínhamos 150 técnicos e colaboradores. Chegaremos lá”, prometeu.
A plateia, composta majoritariamente por mulheres, posou para foto com a ministra ao final da visita. Entre as cineastas presentes, estavam Tata Amaral e Dandara Ferreira. O senador Humberto Costa (PT-PE) também participou da solenidade. Durante a cerimônia, a produtora Joelma Gonzaga, executiva de sucesso do meio cinematográfico, atual secretária do Audiovisual, exemplificou com uma história pessoal a confiança que deposita no talento de gestora da ministra Margareth Menezes: ela contou que, há 20 anos, foi descoberta por Margareth quando era atendente de uma videolocadora em Salvador. Hoje, chefia um dos mais disputados setores da economia criativa do País, conduzida ao posto justamente por Margareth.