Com 191 obras, algumas delas raras, como O avarento que perdeu seu tesouro, de 1927, abre-se nesta quarta-feira, 8, no Centro Cultural Banco do Brasil em São Paulo a mostra Marc Chagall – Sonho de Amor. É a maior exposição do russo Marc Chagall (1887-1985) já realizada na América do Sul, e cobre 50 anos de sua produção, segundo informou a curadora, a espanhola Lola Durán Úcar, que participou da abertura da mostra ontem em São Paulo. A exposição já percorreu outras unidades do CCBB no País (teve mais de meio milhão de visitantes em sua temporada nos CCBBs Rio de Janeiro, Brasília e Belo Horizonte), e ocupa agora os quatro pavimentos do prédio do CCBB no Centro de São Paulo. A organização da mostra, que é provavelmente a mais impressionante da temporada, é da museóloga brasileira Cynthia Taboada.

“Poeta com asas de pintor”, segundo definiu o escritor Henry Miller, Chagall foi considerado um mestre da cor por ninguém menos que seu colega Pablo Picasso. A ênfase no amor, sonho e poesia do percurso artístico do célebre pintor circunscreve o esforço curatorial, com destaque para fotografias românticas de Chagall com a mulher, Bella Rosenfeld Chagall. Mas é possível pinçar, por baixo desse recorte de otimismo e humanismo, dos temas da infância, das flores exuberantes e da estratégia fabulística, os componentes de ironia, sarcasmo, loucura e algumas visões sombrias do expressionismo de Chagall que não têm a evidência de sua exuberância pictórica.

Esses encontros reservam grande impacto porque mostram a sombra que se projeta sobre o sonho idealizado. A exposição de São Paulo recebeu o acréscimo de diversas obras do pintor que não haviam sido expostas nas itinerâncias anteriores, 12 obras oriundas de instituições brasileiras cedidas especialmente para o CCBB São Paulo. “As 12 obras emprestadas pelas instituições brasileiras são parte do empenho da organização em enriquecer a exposição, ampliando o diálogo entre obras do exterior com obras presentes em coleções museológicas brasileiras, o que só foi possível por meio de um intenso processo de pesquisa sobre cada uma delas”, disse Cynthia Taboada.

Nascido em 7 de julho de 1887, no bairro judaico da cidade de Vitebsk, na antiga Rússia, de origem humilde, filho de um comerciante de arenques, Marc Chagall morreu na França, em 1985, aos 97 anos e, como salienta a curadoria, “após atravessar a Revolução Russa e a 1a e 2a Guerras Mundiais, assistir à criação e consolidação do Estado de Israel e ser reconhecido como um dos nomes mais importantes da arte moderna, sobretudo pela criação de uma linguagem artística única”. Chagall também viveu em São Petersburgo, Paris, Berlim, Moscou e Nova York, em um trajeto de exílio constante, passando por fases que abraçam pressupostos do cubismo e do surrealismo.

Nas reentrâncias de sua visão da cultura popular (“Nos meus quadros não há um centímetro livre da nostalgia da minha terra natal”), a arte de Chagall alcança um território entre o sociológico o mitológico, que se destaca nas ilustrações da série Fábulas de Jean La Fontaine (1927-1930), como O Louco que Vendeu a Sabedoria (que carrega um diálogo com as visões de Goya) e O Burro e o Cão.

Nos casamentos populares, testemunhados ou celebrados pela fauna do interior (peixes-sacerdotes, cabras sagradas, bodes, trenós voadores e uma égua grávida celebratórios), à maneira de um Guignard reverente, Chagall enfatiza a centralidade feminina como um destino, e trata as passagens da Bíblia na série A história do Êxodo (24 litografias coloridas) como um duelo entre os poderosos e os despossuídos – chama a atenção especialmente a Passagem do Mar Vemelho, na qual o mundo se divide em duas partes, uma delas a caminho do Paraíso e a outra, a da nobreza, em violento delírio avermelhado e desfigurada como uma Guernica arrogante.

“O tempo é um rio sem margens”, afirmou Chagall, afirmando a sua concepção atemporal da criação. A absurda modernidade de sua pintura, que pode explicar à perfeição uma determinada corrente da chamada arte do inconsciente contemporânea, também esclarece algumas correspondências evidentes, como telas que explodem em um unidimensialismo de colagens de Henri Matisse, de quem foi amigo (caso de O Vendedor de Gado, de 1922).

Galos, noites e quintais, luas, serestas e juramentos aos pés da musa nua nos transportam pelo interior da capacidade criativa de um artista absolutamente livre, embora atrelado às tradições da religião, da moral e das escolas vanguardistas.

Marc Chagall: sonho de amor. Centro Cultural Banco do Brasil São Paulo (Rua Álvares Penteado, 112, Centro Histórico – São Paulo-SP – 5 minutos a pé da estação São Bento do metrô). Desta quarta-feira, 8, até 22 de maio. Das 9h às 20h, exceto às terças-feiras. Grátis (ingressos disponíveis em bb.com.br/cultura e na bilheteria física do CCBB SP). Informações: (11) 4297-0600

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