O drama existencial de “Bardo”, de Iñárritu

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Alejandro G Iñárritu, em Bardo, produziu algo mais que a Falsa Crônica de Algumas Verdades, como faz querer crer o subittulo do longa, que estreou na Netflix em 15 de dezembro. O filme do diretor mexicano, quase autobiográfico, traz em cena o jornalista e documentarista Silvério (Daniel Giménez Cacho) de volta ao seu país de nascença e logo após saber que receberia um prêmio do governo norte-americano raramente entregue aos estrangeiros. É nesse repisado conflito entre ser e não ser, estar e não estar, que o alterego de Iñárritu constrói um amalgama do sentimento de milhões de pessoas ao redor do mundo. O capitalismo produz cidadãos globalizados em série que vivem em torno de falsas crônicas.
O ritmo de Bardo namora com o espírito alucinado de seu personagem. Ciente de sua dimensão, Silvério vive o conflito de ser apenas um “chicano” nos Estados Unidos, que certamente lhe cobra um preço, e se fazer incrível, como o tratam seus conterrâneos, crentes de estarem diante de uma sumidade. Em cenas aparentemente delirantes, como a do vagão do metrô que se inunda até transformar em um aquário gigante ou a da dança de Let’s Dance, com David Bowie cantando à capela, Bardo afirma o compromisso de Iñárritu de produzir um cinema autoral (leia-se de difícil compreensão).
O bardo Silverio gostaria de ser um cidadão norte-americano, mas o agente da alfândega, em outra cena relevante do filme, faz questão de dizer que ele não é, nem jamais poderá sê-lo. Essa mensagem se conecta a uma cena anterior, em que um oficial da Casa Branca afirma que terá direito a uma entrevista exclusiva com o presidente dos Estados Unidos caso o premiado jornalista faça algumas concessões. Caberá a ele decidir se vale a pena pagar esse preço, uma regra vigente para muitas das relações humanas, por sinal.
Iñárritu já deu seu recado em obras como Amores Brutos, Babel, Birdman e O Regresso, que lhe conferiram quatro estatuetas do Oscar: uma de Melhor Filme, duas de Melhor Diretor e uma de Melhor Roteiro Original. Em Bardo, que chega após um hiato de sete anos sem filmar, o diretor se dá o direito de questionar sua carreira e sua relação com as suas origens mexicanas. Embora possa soar, para quem já conhece sua produção anterior, uma tentativa de acerto de contas com seu passado e presente, Bardo tem intenções maiores e mais nobres. O filme quer expor as visceras das relações coloniais que ainda vigem no capitalismo do século 21, e sobre os quais legaram um imenso deserto para os povos, que não deixaram de ser retratadas na película.

Bardo. De Alejandro G Iñárritu. México-EUA, 2022, 159 mins. Na Netflix.
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