O jornal Gazeta do Povo, de Curitiba, um dos que têm maior abrangência no Paraná, publicou essa semana um anúncio para contratar um novo Editor de Cultura para o veículo. O anúncio chama a atenção pelos requisitos e qualificações que o jornal exige dos postulantes à vaga. Um dos itens é o seguinte: “Desapego a textos autorais ou de forte carga crítica”.
Essa é provavelmente a primeira vez que um veículo de imprensa desaconselha que um profissional de imprensa a ser contratado tenha apreço por textos com personalidade autônoma e qualidades críticas (ou mesmo habilidade em redigir textos assim, dada a ambiguidade do requisito). Não há notícia de algo semelhante que já tenha sido registrado anteriormente. É já bem sabido que o esforço dos veículos de comunicação “mainstream” do País, nos últimos 10 anos, consistiu justamente em estimular a acriticidade interna, a subserviência intelectual e a uniformidade política. Havia um objetivo político embutido (que foi alcançado, mas trouxe consigo o avanço fascista). Mas isso foi feito de forma progressiva, com expurgos pontuais nas redações, macartismo programático, promoção do puxa-saquismo e alcaguetismo – a orientação ainda não tinha sido colocada de forma tão explícita quanto nesse anúncio do jornal paranaense.
A Gazeta do Povo se destacou, nos últimos quatro anos, pelo chapa-branquismo desabrido em relação ao governo de Jair Bolsonaro (quanto aos estaduais, o sabujismo já é histórico e consolidado). Totalmente dócil e até mesmo guardiã dos interesses do governo, a empresa chegou a ser incluída, em relatório preliminar da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News, em 2020, como um disseminador de notícias falsas. Pressionada, a CPMI retirou o nome da Gazeta de seu texto. De um Editor de Cultura, o que mais se exige é que tenha notável capacidade de crítica e critérios estéticos. Mas o fato é que, para se investir das qualidades de jornalista e bolsonarista ao mesmo tempo, é preciso um pouco mais do que ausência de espírito crítico…
O anúncio da Gazeta do Povo também recomenda ao postulante à vaga que este tenha “hábito de leitura de veículos de imprensa internacionais de linha conservadora”. Tirando duas ou três exceções, todos os veículos da grande imprensa do Planeta são de orientação liberal e conservadora (The New York Times, La Repubblica, Le Monde), mas certamente não é a esses que o anúncio se refere. Trata-se da extrema direita. Essa orientação parte da família proprietária do veículo: o atual presidente do GRPCOM, grupo que edita a Gazeta e é dono das afiliadas da TV Globo no Paraná, Guilherme Döring Cunha Pereira, é integrante do Opus Dei, grupo conservador da Igreja Católica. Uma reportagem do Intercept mostra como se deu essa guinada da Gazeta em direção à radicalização política e comportamental nos últimos anos.