A Ocupação Dias Gomes, no 2º andar do Itaú Cultural, é uma celebração aos cem anos do dramaturgo criador de obras clássicas como O Bem-Amado, O Pagador de Promessa e Roque Santeiro. Autor que se inspirava na realidade para tecer as mais duras críticas sociais, Dias Gomes imortalizou personagens como Odorico Paraguaçu, Zé do Burro, Viúva Porcina, retratos precisos de um Brasil ainda hoje desigual.
Vítima da censura pós-golpe militar, Dias Gomes já era um nome de projeção mundial. Cinco anos antes de 1964, ele viu o filme O Pagador de Promessas, dirigido por Anselmo Duarte, levar o principal prêmio do Festival de Cannes. Até hoje, nenhum outro brasileiro conseguiu esse feito – a plataforma Itaú Cultural Play passa a exibir o filme. Por ser filiado ao Partido Comunista Brasileiro, o PCB, o baiano Alfredo de Freitas Dias Gomes escreveu sua primeira peça aos 15 anos, a Comédia dos Moralistas e desde então se tornou um dos mais celebrados e perseguidos dramaturgos brasileiros. Por se valer da sátira social, expondo o autoritarismo, a corrupção e as relações nada republicanas entre a fé e a política, logo se tornou persona non-grata dos governos.
A Ocupação Dias Gomes, com cerca de 170 itens divididos em oito núcleos, destaca na exposição tanto essa preocupação com um olhar crítico sobre o Brasil quanto a vontade de projetar que o país poderia ser bem melhor que seus representantes. Recuperar o acervo, com manuscritos, fotografias e vídeos de suas produções televisivas e cinematográficas, ajuda o visitante do Itaú Cultural a dimensionar a derrota do projeto autoritário dos Odoricos da vida real. Também são apresentados depoimentos de artistas, entrevistas de Dias Gomes, textos de pesquisa, ópera, peças, roteiros e adaptações, bilhetes e cartas de amigos, como Jorge Amado e Ferreira Gullar.
Para quem não sabe, o personagem de Dias Gomes de O Bem-Amado era um prefeito corrupto popular, que constrói um cemitério para desviar recursos públicos. É dele a célebre frase “Vamos botar de lado os entretantos e partir para os finalmentes”. Para desviar a atenção aos gastos superfaturados, o político almeja que alguém morra para inaugurar a sua obra – no fundo, pouco se importando com seu povo. O desfecho dessa peça, que foi adaptada na TV Globo para uma novela de grande sucesso (1973) e um seriado (1980 a 1984), não pode ser contado, mas certamente é aguardado por muitos.