O cineasta João Batista de Andrade, de "O Homem que Virou Suco"

O cineasta e escritor mineiro João Batista de Andrade, premiado diretor de O país dos tenentes (1987) e O Homem que Virou Suco (1991), está lançando simultaneamente dois livros nos quais “amarra” as duas pontas de sua vida: 1964 – Uma bomba na escuridão (edição do autor) e Extrema, a incerta ilha do amanhã (Paisà Editora).

O diretor chama os livros de “ficções vivenciais”, pois dilui sua própria trajetória nas tramas, além de fazer um balanço do saldo de sua ação artística. O primeiro livro, 1964,  trata da experiência do jovem João Batista de Andrade entre 1963 e 1967, quando foi estudante da Escola Politécnica da USP, viveu em moradia para estudantes universitários carentes e, com três amigos, foi perseguido pela ditadura militar. O livro (que recupera textos escritos naquele período) parece conter uma característica de memorial, de depoimento para o futuro. “É um sentimento de adeus ao passado, de um doloroso adeus ao futuro e, eventualmente, à vida”, descreve o diretor. A atriz Bete Mendes sugere que esse livro vire um filme.

O segundo volume, Extrema, narra, em uma linguagem experimental, a sensação de um homem que viveu muito e intensamente a liberdade ao se deparar com a iminência de vivenciar o mesmo terror da juventude na maturidade, agora turbinado pela mentira de Estado, o terraplanismo, o negacionismo. “Eis que agora, esgotado o tempo das esperanças, tempo em que conseguíamos respirar a liberdade, um retrocesso nos traz um desafio terrível”.

João Batista de Andrade tem uma carreira cinematográfica de 17 filmes, em mais de 50 anos de trabalho. Ganhou os principais prêmios de cinema do Brasil e muitos outros pelo mundo, como o primeiro prêmio do Festival de Cinema de Moscou, nos anos 1960, por seu primeiro filme, Liberdade de Imprensa, de 1967, exibido no famoso Congresso da UNE de Ibiúna (SP) em 1968 e apreendido pela ditadura civil-militar. Ao todo, Andrade teve sete filmes censurados pela ditadura (mesmo o clássico O Homem Que Virou Suco foi proibido de ser exibido na TV). O Homem que Virou Suco, com José Dumont, é um dos maiores filmes brasileiros de todos os tempos e foi premiado nos festivais de Nevers (França), Huelva (Espanha), Moscou (antiga URSS), Gramado, Brasília e Rio (Brasil).

Andrade também foi diretor do Memorial da América Latina, secretário de Cultura de São Paulo (quando criou o Proac), secretário executivo do Ministério da Cultura e produtor de televisão. Na TV Cultura, em 1970, foi companheiro de Fernando Morais e Vladimir Herzog, com quem chegou a urdir um filme (nunca realizado) acerca de um vampiro do interior de Minas.

O escritor João Batista de Andrade se esmera em trabalhar a linguagem num patamar acima da narrativa do real, que assume um caráter documental nas obras. “Denunciar é preciso, mas ainda é pouco, mesmo que necessário, mesmo que imprescindível”, diz o personagem central de Extrema. “Preciso escrever como pensador, e não como escriturário. Livros sobre História e política serão sempre o belo em cujas entranhas estará a resistência, a denúncia, a inquietação”.

Em um ritmo que lembra um pouco o pêndulo literário de autores como Campos de Carvalho (A Vaca de Nariz Sutil), mas de pulsão mais memorialística, os dois livros de Andrade surpreendem quando se relacionam velozmente com os fatos da crônica diária (como a facada de Juiz de Fora e os golpes de Estado “modernos”) e, logo adiante, aprofundam a autocrítica existencial. “Quando nascemos, nasce conosco um duplo a marcar a dualidade de nossas vidas. O pretenso apodera-se dde nossos brinquedos, nossas melhores e mais queridas roupas, torce para nosso time de futebol”.

A absoluta franqueza do diretor nos livros os torna também documentos assemelhados a um testamento artístico. “Quem vê o que filmo? Quem lê o que escrevo senão aqueles que vivem sob tantas perguntas?”, reflete o escritor. “Não, não quero. Ainda não posso morrer. Mesmo que, agora, mal saiba viver”.

SERVIÇO:
1964 – Uma bomba na Escuridão (Edição do Autor, 230 páginas; 58 reais o livro físico e 40 reais o livro digital) e Extrema – A incerta ilha do amanhã (Paisà Editora, 171 páginas, 46 reais o livro físico e 32 reais o digital), de João Batista de Andrade.

 

 

 

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