Dois atores de reconhecida trajetória, Lázaro Ramos e Tatiana Tibúrcio, assumem a direção da montagem teatral de O Método Grönholm, uma comédia do catalão Jordi Galcerán. O espetáculo é sucesso de público e crítica desde 2003, mas encontra 19 anos depois uma versão que a eleva para um patamar potencialmente demolidor. A peça trata do espírito competitivo do ser humano no ambiente corporativo, mas o fato de ter voltado aos palcos a menos de 100 dias das mais vital eleição desde a redemocratização a enche de simbolismos que extrapolam as intenções de Galcerán.
A cena se passa em uma sala de reuniões asséptica, vazia e com quatro cadeiras. Um a um, entram quatro personagens que se identificam como candidatos a uma vaga dessa multinacional. A estranheza da situação, a de ser jogado num espaço sem ninguém para recepcioná-los, logo se transporta para o fato de que o teste já havia começado. Pequenas situações são lançadas aos personagens, que parecem estar num jogo. E, sem um disciplinador na dinâmica, o que se vê são quatro pessoas se digladiando para mostrar o quão bons eles se vêem, e quão ruins os concorrentes precisam ser vistos.
Luis Lobianco, Raphael Logam, George Sauma e Anna Sophia Folch são os quatro atores. O primeiro interpreta um profissional que uma palavra lhe basta: carreirista. Logam é o candidato inseguro, que faz questão de lembrar de sua origem humilde e pode ser marcado pela cota racial – ele é negro. O terceiro aparentemente está ali por diversão, e rapidamente se revela por representar o público LGBTQIA+. Já Anna é a única mulher da sala, bem-sucedida, mas que precisará se impor nesse ambiente masculinizado. Lázaro Ramos já interpretou O Método Grönholm, ao lado de Taís Araújo, Angelo Paes Leme e Edmilson Barros, sob a direção de Luiz Antonio Pilar, em 2007. Como diretor, estreou essa sua versão em março de 2020, mas a pandemia interrompeu antes da terceira sessão.
Algumas piadas tiveram que ser abandonadas e outras, recicladas, em relação às versões de 2007 e 2020, mas a essência da peça se manteve. Porque, no fundo, O Método Grönholm nos faz enxergar no espelho, desde que foi lançada. Até que ponto vale tudo para alcançar nossos objetivos? O pano de fundo é o mundo corporativo, mas será que não estamos tratando o Brasil como se fosse uma corporação onde o que importa é passar por cima de todos em nome de uma suposta sobrevivência? Como em uma boa comédia, a peça em cartaz no Teatro Unimed, em São Paulo, ensina que vale fazer piada contra o opressor, e nunca contra o oprimido.
A experiência de vida e profissional de Lázaro Ramos e Tatiana Tibúrcio, dois militantes da causa negra, fez diferença nesta montagem, que tem potencial de atração de um público pendente mais para o opressor do que para o oprimido. É, no mínimo, incômodo perceber risos desabridos para piadas homofóbicas, machistas ou racistas. E é, certamente, triste saber que os mesmos que riem e acham a peça “magnífica” tenham visto uma comédia e não entendido a mensagem de Jordi Galcerán. O que está em jogo, mais do que uma fictícia vaga de emprego, é o destino da empresa Brasil SA.