Cena da série
Cena da série "PCC: Poder Secreto", na HBO Max - Foto: Divulgação

Há quase 30 anos, foi criado o Primeiro Comando da Capital (PCC), hoje a maior facção criminosa do Brasil e da América do Sul. Praticamente onipresente no imaginário do País, o PCC, a bem da verdade, é ainda uma incógnita para muitos brasileiros. Prova disso é que o termo “PCC significado” figura entre os termos mais pesquisados no Google. Mas, na vida real, é difícil não sair dos estereótipos e do senso comum: é o crime organizado e ponto final.

A série documental PCC: Poder Secreto, do cineasta Joel Zito Araújo, surge para responder a essa pergunta incômoda com uma resposta nada agradável. O Brasil perdeu a luta contra o crime organizado. Baseada no livro Irmãos – Uma História do PCC, de Gabriel Feltran, a série reconstitui a criação da facção, desde que nasceu como um time de futebol em 1993 dentro do presídio, até o espraiamento de suas atividades criminais por diversas áreas da sociedade, inclusive na política, nos dias atuais.

PCC: Poder Secreto conta essa história a partir de personagens que participaram direta ou indiretamente da evolução do crime no Brasil. Conta com depoimentos cortantes e detalhistas de ex-integrantes da facção, detentos, familiares, agentes carcerários, promotores e autoridades de segurança pública. Apresenta ainda depoimentos gravados de ex-líderes do PCC, como Geleião, líder e fundador, e Marcola, dos ex-governadores Geraldo Alckmin e Cláudio Lembo. No conjunto, essa grande investigação resulta em um retrato muito intimista do crime, se isso é possível.

Há também um esforço didático de elucidar como e por que o PCC se tornou o que é a partir da reconstituição histórica dos principais marcos do crime em São Paulo. Começa, como muitos sabem, em 1992, com o massacre de 111 presos do Carandiru, passa pela luta sangrenta entre os inimigos internos até se chegar a uma “paz” nos presídios, antes da megarrebelião de 2001, quando a facção mostra sua força mobilizando motins em 29 unidades simultaneamente. Não deixa de registrar a acentuada queda dos homicídios de São Paulo, até hoje uma controversa questão se foi por ação do governo ou ordem da facção, os trágicos ataques do PCC em 2006, quando o crime silenciou um Estado inteiro, e a evolução para o controle do atacado do tráfico de drogas no Brasil.

A premissa da série e do livro é tratar o PCC como se fosse não uma mera organização criminosa, mas como uma espécie de irmandade secreta. O sociólogo Gabriel Feltran mostra como a facção atua nas periferias como uma “maçonaria do crime”, criando uma rede de proteção de presidiários e de familiares que vivem do lado de fora nas comunidades. Outros autores que investigaram o PCC em profundidade, destacando-se os livros de Bruno Paes Manso e Camila Nunes Dias (A Guerra: Ascensão do PCC e o Mundo do Crime no Brasil), e Josmar Jozino (Cobras e Lagartos: A Verdadeira História do PCC), também investigam os bastidores de como opera a facção dentro e fora dos presídios.

Joel Zito Araújo, autor de obras clássicas que tematizam o negro na sociedade brasileira, como A Negação do Brasil (2000), maneja sua câmera com a desenvoltura de um bom ouvinte. Consegue, assim, depoimentos que são difíceis de imaginar, como o do ex-líder do PCC Orlando Mota Júnior, o Macarrão, que chora diante das câmeras, e ainda cumprindo pena numa unidade carcerária. É preciso chegar até o último episódio para descobrir como Zito Araújo conseguiu chegar a personagens tão ricos e tão dispostos a revelar o que até então não passavam de segredos bem guardados – e que a sociedade brasileira parece não estar disposta a conhecê-los.

PCC: Poder Secreto. De Joel Zito Araújo. Série em quatro episódios na HBO Max.

 

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