O musical Jacksons do Pandeiro, da Barca dos Corações Partidos, não é uma peça-biografia sobre o “Rei do Ritmo”, mas recorre ao gênio da música para homenagear a tantos nordestinos que partem “para longe para falar mais perto”. Esta é a sina desse povo, como define Beto Lemos, diretor musical da peça, em cartaz por apenas duas semanas no Sesc Pinheiros. Premiado, o musical teve sua estreia adiada em São Paulo por dois anos, cumprindo uma bem-sucedida temporada online, durante o período de isolamento da pandemia.
Em dez anos de vida, a Barca dos Corações Partidos firmou-se como um dos grupos teatrais mais comprometidos na compreensão da cultura brasileira, festiva como ela é. E não o fez isso sem correr riscos. Da sua estreia com Gonzagão – A Lenda (2012), vieram em seguida Ópera do Malandro (2014), de Chico Buarque, Auê (2016), Suassuna – O Auto do Reino do Sol (2018) e Macunaíma (2019), de Mario de Andrade. Com Jacksons do Pandeiro, a proposta é igualmente adentrar na história de um ícone cultural do Brasil e, a partir dela, apresentar uma leitura original e autoral.
O desafio não era pequeno. Em 2019, o País celebrou os 100 anos de nascimento do paraibano Jackson do Pandeiro. Nascido José Gomes Filho, o ritmista gravou mais de 400 músicas, e sobre elas a Barca se debruçou para encontrar uma espécie de síntese, o conjunto da obra. O problema é que esse tocador de zabumba, bateria, bongô e pandeiro, o instrumento que o consagrou, compunha e gravava letras em outra época, com outros valores. Hoje, por uma ou outra composição, correria o risco de ser cancelado. Atento a isso, a trupe soube interpretar ou até atualizar as canções, inclusive criando inteligentes diálogos com letras adicionais, como em Como Tem Zé na Paraíba (por Braulio Tavares), Sebastiana (Beto Lemos e Eduardo Rios) e A Mulher que Virou Homem (Lucas dos Prazeres).
A Barca dos Corações Partidos apresenta em duas horas de espetáculo quase 50 canções, parte de Jackson do Pandeiro e outra de composições próprias ou de outros autores, como Dominguinhos, Durval Vieira e João do Vale. Por vezes, a peça musical se assemelha mais a um show de música com virtuosos músicos, cantores e atores, como podem ser definidos os integrantes da Barca, desgarrando-se de uma dramaturgia mais densa. Em pequenos flashes, os diferentes Jacksons, que representam os nordestinos, assumem a cena e vão recontando um tanto da história do Rei do Ritmo e outro tanto do próprio povo do Nordeste que pareia, que migra, que aperreia, que vive mundo afora. Ao final, Jacksons do Pandeiro vira uma grande celebração das histórias nordestinas.
Celebrar a história de Jackson do Pandeiro é uma boa forma de reverenciar também o filho de Dona Flora, cantadora de coco, do sambista que gravou também choros, frevos, baião, xaxado, forró e galopes. Ou de Almira Castilho, cantora, compositora e dançarina com quem foi casado e fez uma celebrada parceria. Nas duas horas de espetáculo, Jacksons do Pandeiro vale-se de um palco montado com pequenos estrados de madeira, que não formam uma imagem em particular, mas são utilizados pelos atores de forma versátil e ágil para mostrar desde uma aglomeração até simbolizar os altos e baixos das vidas de tantos nordestinos. Com direção de Duda Maia, dramaturgia de Braulio Tavares e Eduardo Rios, direção musical de Alfredo Del-Penho e Beto Lemos, e idealização de Andréa Alves, da Sarau Cultural, o musical entrega lentamente recursos simples de cenografia (assinada por André Cortez), mas visualmente eficientes que merecem ser descobertos pelo próprio público.
Jacksons do Pandeiro. Da Barca dos Corações Partidos. No Sesc Pinheiros, de quinta a sábados, às 20 horas, e domingos, às 18 horas. Ingressos a 40 reais.