‘Com Os Bolsos Cheios de Pão’ revela os dilemas da sociedade

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Cena da peça "Com os bolsos cheios de pão"
Cena da peça "Com os bolsos cheios de pão", de Matei Visniec - Foto Keiny Andrade

Dois homens, ambos sem nomes, dialogam aos pés do alto de um poço e destilam sua raiva diante do que vêem: “sádicos”, “assassinos”, “nojentos” e daí para baixo. Eles estão certos: quem seria capaz de deixar um cão abandonado no fundo daquele buraco? A indignada reação logo se revela falha, senão hipócrita. Os dois personagens serão incapazes de fazerem qualquer coisa pelo animal.

Alguns dos maiores dilemas da sociedade contemporânea estão presentes em Com Os Bolsos Cheios de Pão, do dramaturgo e jornalista romeno Matei Visniec. Naturalizado francês, Visniec escreveu esse texto em 1980, quando seu país de nascença ainda era governado pelo ditador Nicolae Ceaușescu. Refere-se a um episódio real, que ele de fato presenciou e, como os que seus personagens criticam, nada fez para ajudar o cão que caiu em um poço. A explicação para sua inação foi uma só: o animal latia para chamar a atenção, mas a ditadura impedia ele e seus compatriotas de serem socorridos.

O homem de bengala (Edgar Castro) e o homem de chapéu (Donizeti Mazonas) travam uma longa conversa sobre o drama vivido pelo animal, mas não demorará para se desentenderem até entre si. Da compaixão à culpa por não fazerem nada, da desconfiança ao alheamento para com a gravidade da situação, os dois personagens só conseguem lançar pedaços de pães para o pobre animal. É como se as migalhas que lançam no fundo do poço pudesse arrefecer a não-atitude deles. Em determinado momento, eles próprios questionam se um ou o outro não teriam jogado o cão para dentro do poço.

Com Os Bolsos Cheios de Pão, dirigido por Vinicius Torres Machado, é um texto bastante atual por cutucar a ferida individual que cada um de nós possuímos, em maior ou menor dimensão. Até que ponto não ficamos inertes diante dos dramas dos outros? Será que apenas reagir passiva ou remotamente nas redes sociais é suficiente para os problemas que clamam por nossa intervenção? Quantos cães deixamos cair no fundo do poço e rapidamente tratamos como se nada tivéssemos a ver com a situação? Não é difícil propor outras questões que perpassam a obra de Visniec.

Com Os Bolsos Cheios de Pão. De Matei Visniec. No Teatro Sesc Pompeia, de terça a sexta-feira, às 21 horas. Até 18 de março. Ingressos a 40 reais.
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