A historiadora e especialista em museologia gaúcha Doris Couto recusou na última sexta-feira um convite do governo Bolsonaro para assumir, em detrimento da primeira colocada na seleção pública, a direção do Museu Histórico Nacional, que completa 100 anos este ano. A decisão de Doris é uma atitude ética: no processo público de seleção, ela ficou em terceiro lugar na lista de selecionados. A primeira colocada, Luciana Conrado Martins, historiadora e doutora em educação pela USP, teve o nome vetado pelo governo, num ato de dirigismo político e censura, e a nomeação está num vácuo desde setembro do ano passado.

Especialista em patrimônio e museologia, Doris Couto divulgou uma nota pública de esclarecimento sobre sua decisão de não aceitar o convite da direção do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), instituição do governo federal ligada à Secretaria Especial de Cultura. No documento, ela descreve o processo de seleção na qual se classificou em terceiro lugar, a 8 pontos da primeira colocada.

“Esse processo exaustivo previa a apresentação por cada candidato(a) de um plano de trabalho para quatro anos, que deveria indicar soluções para os principais problemas do MHN, diga-se de passagem, muito semelhantes aos que enfrentei no Museu Julio de Castilhos, instituição com 119 anos e que dirijo no Rio Grande do Sul”, escreveu a gestora. “Ainda foi apresentado currículo e realizadas entrevistas com os 8 (oito) candidatos e atribuída pontuação em cada fase. Estou certa de que construí alternativas que teriam impacto e efetividade no Museu Histórico Nacional, um dos principais museus nacionais do Brasil. Não me assustaria assumi-lo e junto com sua equipe reposicioná-lo no cenário nacional e internacional. Contudo, o faria entrando pela porta da frente, com a chave nas mãos, obedecendo a ordem da classificação e não pulando o muro”.

Doris afirma acreditar que o mesmo procedimento ideológico que levou ao veto ao nome de Luciana também barraria sua nomeação. “Claro que também enfrentaria o pelotão da censura e não passaria da primeira busca porque defendo o direito à verdade sobre a ditadura; pauto minha vida pela defesa inalienável dos direitos humanos; defendo que as terras indígenas lhes pertencem e que sua cultura é patrimônio nacional; defendo a diversidade humana como âncora do processo histórico brasileiro; a igualdade entre homens e mulheres, a preservação do meio ambiente e em especial da Amazônia, além da da ética em qualquer processo. Soma-se ao desrespeito do longo processo seletivo a prática da censura por este governo, à qual jamais me submeteria”.

A situação no Museu Histórico Nacional tem causado manifestações em todo o meio científico brasileiro. “Como museóloga e ex-presidente do Conselho Federal de Museologia, solidarizo-me com Doris Couto, pela sua ética e pelo seu destemor em tornar público este ato espúrio e não aceitar ser manipulada e nem compactuar com este desgoverno”, escreveu em sua página no Facebook a museóloga Telma Lasmar.

O Museu Histórico Nacional, que celebra um século de fundação este ano, é uma das mais importantes instituições de história do país, com cerca de 300 mil itens. Está há dois anos funcionando com uma interinidade e é visto com cobiça pelos grupos monarquistas que compõem a base de apoio de governo de Jair Bolsonaro.

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