O único programa da Secretaria Especial de Cultura de Mário Frias, após quase dois anos de gestão, é ainda um balão de ensaio. O projeto Nossa História, anunciado essa semana com estardalhaço por André Porciuncula (secretário de Fomento e Incentivo à Cultura do governo) no Twitter, como um fato consumado, e em seguida comemorado efusivamente por Jair Bolsonaro também nas redes sociais, ainda não existe. Porciuncula publicou, na semana passada, que o governo investiu 2 milhões de reais na compra de 3.080 leitores digitais (e-readers) que já estariam sendo distribuídos a 308 escolas de todo o País (10 unidades para cada escola, que estariam em regiões de baixo IDH, Índice de Desenvolvimento Humano).

Ocorre que os leitores digitais nem foram comprados ainda, apenas foram orçados. O governo fez dois orçamentos, um em uma empresa de Sorocaba (SP) e outro em uma empresa de Alphaville (também em SP). O e-reader é o Kindle PaperWhite 11ª geração, com capacidade de 8Gb. A primeira empresa, a de Sorocaba, fez por 660 reais a unidade, e a segunda fez por 650 reais. Segundo a reportagem apurou nos portais de Compras e Transparência do governo, não houve aquisição de equipamentos dessa natureza pelo ministério recentemente.

A reportagem de FAROFAFÁ pediu ao Ministério do Turismo (ao qual está subordinada a Secretaria Especial de Cultura) o nome de alguma escola que tivesse efetivamente recebido os equipamentos, mas não obteve resposta. Também pediu informações às empresas envolvidas no processo, mas igualmente não obteve resposta.

Nesta segunda-feira, 21, a Secretaria Especial de Cultura mudou o teor do texto oficial sobre a distribuição dos leitores digitais (que vinha sendo anunciada desde agosto do ano passado). “Será distribuído (sic) 10 equipamentos por escola, independentemente da quantidade de alunos matriculados”, informou uma nota nesta segunda, 21, já admitindo que os equipamentos ainda não foram distribuídos. A nota informa que foram selecionados pelo programa 35 escolas na região Centro Oeste, 59 escolas na Sudeste, 33 escolas na região Sul, 99 escolas na região Norte, 82 escolas na região Nordeste.

A ação, tirando seu atrapalhado percurso dentro do governo (que o chama uma hora de Nossa Memória, outra hora de Nossa História), é apontada como inócua por muitos cidadãos no próprio Twitter. Francine Damasceno Pinheiro anotou: “Só em Minas Gerais tem mais de 800 municípios com pelo menos duas escolas e a maioria com baixo IDH. Muito medíocre a abordagem”.

A distribuição de leitores digitais já é uma rotina do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e do Programa Nacional de Biblioteca Escolar (PNBE) do Ministério da Educação. O que a Secretaria Especial de Cultura diz acrescentar a essa ação seria a distribuição do conteúdo da Biblioteca Nacional nos e-readers “para o público infantojuvenil”, segundo disse Mario Frias. O secretário tem obsessão em heróis pátrios. “Teremos um excelente investimento no resgate do imaginário público de todos os grandes heróis de nossa independência. A comemoração do Bicentenário (da Independência do Brasil) é um evento de todos os brasileiros, e iremos levá-la para cada um de vocês. É uma cultura realmente popular”, disse Frias.

No final do ano passado, em manifestação jurídica sobre o plano de distribuição de leitores digitais da Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura, a Advocacia-Geral da União (AGU) observou que “não consta dos autos um Plano de Trabalho, como exige a legislação acima transcrita. Assim, antes da assinatura do Acordo de Cooperação, recomenda-se que seja juntado aos autos um plano de trabalho, contendo os requisitos exigidos pelo art. 116, §1º da Lei nº 8.666 de 1993”. A AGU também recomendou a aplicação da Lei Geral de Licitações na aquisição de equipamentos.

 

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