‘Ataque dos Cães’ nos livra do mal

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Cena de 'Ataque dos Cães', na Netflix
Cena de 'Ataque dos Cães', na Netflix - Foto: Divulgação

A essa altura do campeonato, o algoritmo da Netflix já deve ter lhe sugerido algumas vezes Ataque dos Cães, um dos filmes com chances de levar o Oscar 2022. Se não, então pode ter certeza de que esta resenha e o próprio filme não vão lhe agradar. Mas se já viu algumas das diferentes capas promocionais do filme rolando pelo serviço de streaming, essa insistente dica robotizada merece ser levada em consideração – e talvez esse texto tenha alguma utilidade.

O filme é um faroeste que se passa em 1925, portanto muitos anos depois das primeiras produções que consagraram o gênero. Esqueçam, assim, as imagens poeirentas do Velho Oeste, da laboriosa conquista da América ou do espírito desbravador da segunda metade do século 19. Ataque dos Cães, baseado em um romance de Thomas Savage escrito nos anos 1960, aborda temas atualíssimos, que vão da masculinidade tóxica à disfunção familiar. O mérito dessa proeza é da diretora Jane Campion, que produziu uma surpreendente história psicodramática de personagens construídos lenta e misteriosamente.

Em Ataque dos Cães, Benedict Cumberbatch e Jesse Plemons interpretam, respectivamente, Phil e George, dois irmãos que herdaram do pai rico uma fazenda de gado em Montana. O primeiro é caracterizado como um cowboy cruel, um ser humano desprezível em seu estilo macho-man que se diverte em ser valentão diante de seus peões ou chamar seu irmão de “gordo”. O segundo é um homem mais recatado, refinado e que parece apenas tolerar o comportamento do irmão ogro. Mesmo tendo uma grande propriedade, os dois dormem no mesmo quarto, em camas de solteiro, separados a poucos metros de distância, o que revela a dependência de um pelo outro.

O abismo comportamental que existem entre os irmãos se expande ainda mais quando George decide se casar com a viúva Rose (Kirsten Dunst), que é dona de um café na cidade. Antes mesmo do casamento, Phil já mostra seu espírito maligno ao atacar o filho de Rose, Peter (Kodi Smit-McPhee), numa típica cena homofóbica. As tensões entre irmãos são exportadas agora no convívio familiar e no assédio que Phil começa a praticar contra sua cunhada e seu enteado. Mas, numa das primeiras reviravoltas do filme, Phil se aproxima do jovem Peter, a quem parece se afeiçoar e decide ensiná-lo à lida da vida de vaqueiro.

A atuação de Cumberbatch em Ataque dos Cães pode lhe render uma estatueta, embora a concorrência seja forte neste ano. E esse papel só ganhará a sua real dimensão nos últimos 15 minutos do filme, quando a trama passará por uma avassaladora reviravolta, daquelas capazes de render horas de discussão num jantar – fuja de todas possibilidades de spoiler antes de ver o filme. É no desfecho que a trama costurada pela diretora Jane Campion justificará o título do filme, ainda que seja preciso algum conhecimento bíblico para compreendê-lo melhor.

O jovem Peter recitará os versículos “Livra-me da espada/ livra a minha vida do ataque dos cães“, extraídos da Bíblia. Pertencente ao livro de salmos, esse trecho faz referência a uma alma que pede a ajuda de Deus para se livrar do mal que o cerca, tendo ciência de que o Senhor é poderoso e temido por todos. No filme, as circunstâncias mostram que não há pecado para se livrar do ataque dos cães.

Ataque dos Cães. De Jane Campion. Na Netflix. Estados Unidos, 2021, 126 mins.
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