Aos 59 anos, a gaúcha radicada em Maceió (AL) Cris Braun revisita os anos loucos e rápidos da juventude em Quase Erótica, breve álbum centrado em material lançado e/ou engavetado na época em que era a voz principal da banda art rock carioca Sex Beatles (1990-1995). Em rápidos 23 minutos, a cantora e compositora soma humor e alegria pop-eletrônica à presença de espírito roqueira do grupo que liderou ao lado do baiano Alvin L.
A dupla foi percebida desde logo por Marina Lima, que gravou achados pop-poéticos de Alvin (como “Não Sei Dançar”, em 1991, e “Stromboli”, em 1993) e lançou por seu fugaz selo Fullgás a estreia solo de Cris, Cuidado com Pessoas Como Eu (1998). Embora Alvin fosse compositor de quase tudo nos Sex Beatles, Cris já aparecia como co-autora no álbum de estreia da banda, Automobília (1994), em faixas inspiradas como “Más Companhias” (“nove entre dez maus elementos preferem as más companhias”) e “E o Seu Namorado Também”, essa última revisitada agora em versão fofa-ácida. “Se você estiver com ele não precisa vir/ sem/ quero você/ e o seu namorado também”, resume a faixa que encerra Quase Erótica.
No brilhante segundo álbum, Mondo Pasionale (1995), Cris deu personalidade como intérprete aos dardos iconoclastas “Freiras Lésbicas Assassinas do Inferno” (“dóbermans disfarçados/ de freiras assassinas/ busto 112, viciadas em gasolina”), “Cary Grant” e “Eu Nunca Te Amei, Idiota”, mas como compositora só contribuiu em “Viva Miami”, um tributo feminino agridoce a estrelas ultrapop como Rita Lee, Deborah Harry e Baby do Brasil, infelizmente ausente de Quase Erótica. Desse disco que marcou a dissolução dos Sex Beatles, a artista repesca os versos de namoro disfuncional de Alvin em “Tudo Que Você Queria Saber Sobre Si Mesmo (E Tinha Medo de Perguntar)”: “Eu acho que você devia ter mais um complexo/ eu acho que você devia dizer mais coisas sem nexo/ eu adoro suas mentiras, são tão boas que eu prefiro acreditar”.
Se Alvin compunha regularmente para a banda Capital Inicial desde 1989, Cris começou fornecer material para o Kid Abelha em 1996, assinando, em parceria com Paula Toller e/ou George Israel, “Como É Que Eu Vou Embora” (1996), “Mãos Estranhas” (1998), “Deve Ser Amor” (2000) e “Gávea-Posto 6” (2001). Cuidado com Pessoas Como Eu não alavancou uma carreira solo no mainstream, mas Cris Braun seguiu adiante com os discos Atemporal (2004), Fábula (2012) e Filme (2017), esse último co-assinado pelo alagoano Dinho Zampier, também produtor e programador musical em Quase Erótica.
Do antigo parceiro Alvin L, Cris puxa ainda a (anti)romântica também disfuncional “Impossível” (“eu digo que amo, você diz também/ mas na verdade ninguém é de ninguém/ eu no começo e você já no fim/ o que eu não quero/ você dá pra mim/ impossível/ é impossível”), em irônica roupagem robótica, e “Aprender”, lançada originalmente pelo autor em seu único álbum solo, Alvin (1997).
O pique pop art reverbera inteiro na languidez de “Aprender”: “Metais em brasa/ inverno em Montreux/ um pesadelo com Brigitte Bardot/ escolas de samba/ pimenta e dendê/ servem pra me ensinar/ mas eu nunca vou aprender”. Mesmo amarelada pelos cigarros da vida, a voz tributária à de Rita Lee desenha com brilho os versos “a voz tem o som de cigarros acesos escutando Sinatra cantar/ seu abraço me deixa preso esperando tudo isso acabar/ ficar em casa/ jogar e perder/ o lado B de Ziggy Stardust/ São Paulo à noite/ o mundo e você/ servem pra me ensinar/ mas eu nunca vou aprender”.
A ambivalência sexual vem embalada em melodia gostosa de tons orientais em “Invisíveis”, parceria com a gaúcha Luciana Pestano: “Ele não me larga/ porque não consegue sair do abrigo/ ela não me agarra/ porque se parece muito comigo/ eles são invisíveis/ quase estão insensíveis/ antes de dormir/ só quero um sorriso seu”. O forro pop aveludado amansa “Logado”, entre versos como “você que eu vi entrar/ na borda da manhã/ também estava lá” e “eu tive medo de olhar/ mas que poeta sou eu/ que já não sabe brincar?”.
Num andamento divertido de marcha pop-nupcial havaiana, “Príncipes e Feras” é a única faixa a, talvez, evocar os anos cariocas: “Dancei pra príncipes e feras/ e nada vi/ confesso tive saudade/ da minha vida pregressa/ das noites sem dormir/ colhi o que sobrou de você/ antes de desligar a TV”. “A Cara da Minha Metade” (“a lua na cara do teu ouvido/ já não estamos correndo perigo”) completa o repertório flertando com a fase pop de “Flagra” (1982) de Rita Lee. Leveza à parte, Cris decifra os propósitos de Quase Erótica no texto de apresentação do álbum: “Esse projeto me inspirou a trazer humor e um pouco de alegria. Uma maneira leve de fazer crítica e resistência”.
Quase Erótica. De Cris Braun. Lab 344.