O sonho americano é recorrente no cinema de Hollywood. Três décadas após James Truslow Adams cunhar o termo em sua obra The Epic of America (1931), Amor, Sublime Amor (West Side Story), filme de 1961, arrebatava plateias mundiais em torno de latinos que, como pano de fundo da história, não podiam viver uma existência plena e exitosa nos Estados Unidos justamente por serem imigrantes. Noventa anos depois, o também musical Em um Bairro de Nova York (In the Heights) revive esse desejo de prosperar na América, já sob novos signos e valores.
Os dois musicais, separados por um hiato de seis décadas entre o lançamento de um e de outro, se reencontram neste ano de 2021 com o prometido remake de Amor, Sublime Amor. O filme original foi dirigido por Robert Wise e Jerome Robbins e conquistou 11 estatuetas do Oscar. Agora, é Steven Spielberg quem dirige a superprodução hollywoodiana, adiada por conta da pandemia. Mas a história que interessa resenhar aqui é Em um Bairro de Nova York, de John M. Chu, que adiciona pitadas de atualidade sobre questões hoje caras à sociedade contemporânea. O sonho americano demanda respeito a minorias e às mulheres, inclusão social e um orgulho de suas origens.
Ambas histórias se passam em Nova York, outra coincidência das duas produções. O musical de Chu se passa no calorento bairro de Washington Heights, onde dominicanos criam laços comunitários que os aproximam de sua terra natal. Um está ali a cuidar, vigiar, proteger o outro. O protagonista Usnavi (Anthony Ramos) cuida da abuella Claudia (Olga Merediz), sua vizinha e uma espécie de matriarca de todos os imigrantes latinos. Ele sonha em prosperar vendendo “o melhor café novaiorquino”, economizando cada centavo para poder voltar à República Dominicana.
In the Heights foi escrito por Lin-Manuel Miranda durante a faculdade, e vingou no chamado circuito off-Brodway de musicais em Nova York. Por anos, ele tentou levar essa história para o cinema, mas o destino colocou no ar antes Hamilton, outro de seus musicais de grande sucesso. Ao contrário dessa produção, também disponível no streaming, Em um Bairro de Nova York não é uma peça gravada no palco. O longa de 2 horas e 23 minutos se passa nas ruas da metrópole, em cenários pouco usuais e menos midiáticos.
Em um dos números musicais, vemos varais com bandeiras de vários países latinos, inclusive a do Brasil. Mais de uma centena de atores e dançarinos participam de uma impressionante coreografia formada por pequenas cenas que se juntam ao final em torno de uma piscina pública do bairro. Em outro momento, os prédios de tijolos e escadas de fuga típicos da Big Apple servem para uma bela cena do casal Benny (Corey Hawkins) e Nina (Leslie Grace). Os dois fazem as vezes de Gene Kelly e Debbie Reynolds, em Cantando na Chuva (Singin’ In The Rain), porém dançando e cantando na parede do prédio, na vertical e num por do sol, sem chuva.
Vanessa (Melissa Barrera) faz par com Usnavi, completando o elenco central e não tão conhecido de Em um Bairro em Nova York. Este é outro mérito, aliás, dessa produção, que colocou atores latinos para interpretar latinos, ao contrário das críticas que já surgem em relação ao remake de Spielberg. Ela trabalha em um salão de beleza, mas sonha em ser estilista de moda. O fato de todos ali sonharem com algo é indicativo de que estamos diante de histórias que falam de um sonho maior, talvez inatingível, talvez apenas distante.
Usnavi, em particular, sonha em ganhar na loteria (quem nunca?) para montar um quiosque numa paradisíaca praia da ilha dominicana. Mas seu desejo encontra uma série de adversidades pela frente e mesmo perto de sua realização ainda lhe caberá decidir para onde quer ir. Esta é, afinal, a história de muitos imigrantes por toda parte. Chegar Em um Bairro de Nova York pode representar o máximo que muitos um dia poderão sonhar para suas vidas.
Em um Bairro de Nova York. De John M. Chu. Na HBO Max, Estados Unidos, 2021, 143 mins.