Marisa Monte - foto Leo Aversa
Foto: Leo Aversa

 

Marisa Monte
Marisa Monte lança “Portas” – foto Leo Aversa

Portas é o primeiro álbum solo inédito de Marisa Monte em dez anos, desde O Que Você Quer Saber de Verdade, de 2011 (nesse intervalo houve também, em 2017, o segundo Tribalistas, do projeto em trio com Arnaldo Antunes Carlinhos Brown). Nas 16 novas canções, a cantora e compositora carioca de 54 anos apresenta-se, mais uma vez, como porta-voz maior da desgastada sigla MPB, especialmente aquela que costuma flutuar pelo espaço, indiferente e incólume à realidade que a cerca.

Portas é quase todo constituído por leves temas amorosos compostos com Arnaldo Antunes, Nando Reis, Seu Jorge, Marcelo Camelo, Pretinho da Serrinha, Silva e Chico Brown (filho de Carlinhos Brown e neto de Chico Buarque), e tem sido descrito por críticos como “ensolarado” e “otimista”, entre adjetivos afins. É o caso, por exemplo, de faixas como “Déjà Vu” e “Pra Melhorar”, arranjadas pelo mitológico maestro Arthur Verocai, ou “Quanto Tempo”, “Totalmente Seu”, “Espaçonaves” e “Sal”, povoadas por arranjos de cordas criados por Marcelo Camelo. “Você Não Liga”, composta por Marisa e Marcelo, foge à regra e aborda um amor aparentemente não correspondido. O título “Medo do Perigo” (com Chico Brown) também esboça direção diversa, não seguida pelos versos: “Eu não tenho medo do perigo/ eu sigo”. O perigo, convenhamos, anda exacerbado ali fora.

Marisa pertence, com Brown, Ivete Sangalo e outros, a um segmento de artistas nacionais que jamais se pronunciam sobre temas sociopolíticos, seja na música ou fora dela. No caso de Marisa, a natureza vira outro tema de escape, em versos como “gotas do céu que dão vida ao jardim/ pingos de chuva, cristais de jasmim/ raio de sol, vento a favor/ vem pra mim”, de “A Língua dos Animais” (com Arnaldo e Dadi Carvalho). Outras faixas contemplativas são a gostosa “Praia Vermelha” (composta com Nando Reis) e a delicada “Vagalumes” (com Arnaldo Antunes).

O escapismo e o desalinhamento com o tempo em que Portas foi gravado são naturais para Marisa e combinam com os preceitos adotados desde sempre pela artista, à maneira de um Roberto Carlos do século 21. Mas as coisas ficam estranhas em “Calma” (com Chico Brown), luminosa musicalmente, mas 100% alheia ao universo ao redor: “Calma/ que eu já tô pensando no futuro/ que eu já tô driblando a madrugada/ não é tudo isso, é quase nada/ tempestade em copo d’água”. A tentativa de sempre expressar positividade parece nobre, mas frases como “não é tudo isso, é quase nada” ou “tempestade em copo d’água” soam no mínimo insensíveis, quando 544 mil mortos por covid e descaso se acumulam do lado de fora da bolha. Segundo Marisa, foi composta antes da pandemia, mas de todo modo serão para sempre uma canção e um disco de 2021.

Em “Pra Melhorar”, que encerra o disco com a parceria e as vozes de Seu Jorge e sua filha Flor, ocorre o máximo de comunicação com o tempo presente nos 49 minutos de Portas: “Quando você pensa que está tudo errado e negativo/ e que ainda vai piorar, piorar/ pra todo mundo a vida é difícil, todos fazem seu sacrifício/ pra melhorar, melhorar”. Sim, a vida é difícil, todos fazem seu sacrifício, especialmente alguns. Parece muito pouco, quase nada, ao menos para ouvidos não conformados em aceitar o que a realidade tem a oferecer em tempos de horror. – PAS

"Portas" (2021), de Marisa Monte

Portas. De Marisa Monte. Phonomotor/Sony, 2021.

 

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