A Fundação Casa de Rui Barbosa, que passa por perseguição ideológica e desmonte

Letícia Dornelles, presidenta da Fundação Casa de Rui Barbosa, entidade vinculada da Secretaria Especial de Cultura do governo federal, denunciou em março um pesquisador da própria fundação à Controladoria-Geral da República (CGU) por “graves acusações e ofensas a autoridades federais. Em especial ao senhor presidente da República e à família Bolsonaro” em sua rede social privada.

Letícia Dornelles usou em sua argumentação o precedente do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que dois professores da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), incluindo o ex-reitor Pedro Hallal, foram obrigados a assinar no dia 3 de março, após intervenção da CGU na instituição. A presidenta pretendia que o pesquisador da Fundação Casa de Rui Barbosa, Christian Edward Cyril Lynch (professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UFRJ), fosse igualmente punido, como no caso gaúcho, tanto pelas postagens em sua rede social privada como por artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo em 13 de junho de 2020.

O que Letícia não esperava era a conclusão da CGU, que frustrou sua intenção punitiva e censória. “Na situação trazida pela presidente da Fundação Casa de Rui Barbosa, o que há são manifestações publicadas em rede social privada e em artigo de jornal, sem que o autor das publicações, em momento algum, ostente a sua condição paralela de servidor público federal. É dizer: o que existe é a opinião do cidadão Christian Edward Cyril Lynch e não uma manifestação do servidor público federal Christian Edward Cyril Lynch”, divulgou a auditora federal Giselle Cristina Ramalho Pinheiro, da CGU, em sua nota técnica.

A rigor, diz a nota da CGU, evidencia-se que nenhuma das publicações constantes da denúncia foi registrada pelo servidor no exercício de suas atribuições ou em situação que guardasse a mínima relação com elas. “Repise-se, ainda, que o simples fato de o destinatário das palavras ditas por Christian Edward Cyril Lynch vir a ser o presidente da República não tem, isoladamente, qualquer relevância correcional”.

O caso da Universidade Federal de Pelotas, evocado pela denúncia de Letícia, é mencionado pela auditora que assina a nota. “Esse caso foi objeto de inúmeras reportagens jornalísticas e terminou por desencadear uma série de equívocos e mistificações, pela forma como foi abordado por alguns veículos de comunicação”, escreve. “O fato, contudo, é que o contexto que justificou a atuação da CGU no caso envolvendo os servidores da Universidade Federal de Pelotas é completamente distinto do narrado no Ofício” da Fundação Casa de Rui Barbosa. “A repercussão em torno daquele caso, em alguns momentos, deu a entender que a CGU teria atuado porque o destinatário das supostas ofensas proferidas teria sido o presidente da República. O equívoco foi total! Fosse quem fosse o destinatário das ofensas proferidas naquele caso, caberia à CGU atuar. E isso porque o Direito Disciplinar não existe para proteger A ou B, mas, sim, para garantir a plena harmonia entre os agentes públicos com os valores e as finalidades da Administração Pública”.

Quando assumiu o cargo na Fundação Casa de Rui Barbosa, em janeiro de 2020, indicada pelo deputado Marco Feliciano, Letícia Dornelles (sem qualquer qualificação técnica ou acadêmica além de ser militante bolsonarista e cuja maior façanha intelectual na carreira foi a publicação de um livro chamado Como Enlouquecer em Dez Lições) exonerou a equipe de pesquisadores da fundação sem explicação convincente, dizendo que estava “otimizando” os recursos da casa. Ela argumentou que queria montar sua própria equipe com “pesquisadores de renome internacional”. Nenhum foi apresentado até hoje.

Christian Edward Cyril Lynch é autor de Da Monarquia à Oligarquia: História Institucional e Pensamento Político Brasileiro (1822-1930) (da Editora Alameda, de São Paulo), entre outros livros. Letícia Dornelles disse em sua denúncia que teve embasamento do procurador-federal que atua na fundação, e que notificou o pesquisador para “apresentar as provas sobre as acusações” feitas. Ele teria, então, desativado sua página na rede. A CGU observou à fundação que a lei de responsabilização disciplinar de servidores públicos só pode ser legitimamente acionada se o fato for registrado no exercício de suas atribuições ou em situações que se relacionem com as atribuições do cargo público, o que não foi o caso.

“É fato que algumas das postagens constantes do Ofício Nº 0100/2021/PRES/FCRB conduzem palavras fortes e duras dirigidas a algumas autoridades federais. Conforme já registrado, não consta dos autos qualquer informação que demonstre que as palavras utilizadas nas postagens tenham sido proferidas por Christian Edward Cyril Lynch no exercício das suas atribuições de servidor público federal ou em um contexto que tivesse qualquer tipo de relação com aquelas atribuições, o que, por si só, inabilita o acionamento da via disciplinar”.

A auditora da CGU fez questão de ressaltar, em sua decisão, que a Controladoria-Geral da União tem “entendimento consolidado de que manifestações de caráter técnico-científico e opiniões de natureza política não sofrem qualquer tipo de restrição na esfera correcional” e manifestou o direito à “livre manifestação do pensamento por parte de servidor público, por qualquer meio de comunicação, inclusive redes sociais”.

 

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1 COMENTÁRIO

  1. Falando em perseguição…enquanto isso na ANCINE, aquela nau à deriva tendo no comando diretores biônicos…

    Deputados denunciam perseguição e desmonte no setor audiovisual

    Diretor-presidente da Ancine não compareceu à audiência para debater a liberação de recursos para o setor e foi criticado por integrantes da Comissão de Cultura

    Fonte: Agência Câmara de Notícias

    05/04/2021 – 20:25

    Deputados da Comissão de Cultura da Câmara classificam de “perseguição política” a paralisação nas atividades da Agência Nacional de Cinema (Ancine) e a demora na liberação de recursos para produções já contempladas em editais da agência.

    Convidado para o debate na comissão, o diretor-presidente da Ancine, Alex Braga, alegou que a questão foi judicializada e, por isso, não compareceu. Em carta, ele afirmou que os convidados da audiência são “partes interessadas em processo judicial ainda em curso”, o que poderia comprometer a representação judicial da Ancine e a defesa de seus diretores.

    A presidente da Comissão de Cultura da Câmara, Alice Portugal (PCdoB-BA), criticou a paralisação do setor e o descumprimento da legislação que garante fomento ao audiovisual nacional. “Esse desmonte atinge a soberania nacional, nossa imagem no exterior. É uma completa negligência com a cultura, especialmente com o cinema nacional”, afirmou.

    A deputada relata a grande dificuldade da Ancine na análise dos projetos já autorizados, mas que não têm tido provimento. Ela afirma que tem feito solicitações para resolver o problema desde 2019.

    Guerra ideológica
    A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) considerou injustificável a ausência da Ancine. “Temos ação jurídica pra todo lado contra o governo e isso não impede participação em audiência pública. Estão, na verdade, desmontando o arcabouço institucional do setor audiovisual brasileiro pra esconder uma guerra ideológica, esconder o objetivo de desmonte dessa estrutura e o descumprimento da Constituição Brasileira em nome de uma fiscalização inexistente”, disse.

    O Tribunal de Contas da União (TCU) considerou a metodologia de prestação de contas de produções patrocinadas pela Ancine contrária à legislação e apontou o risco de a agência não ser capaz de detectar eventuais fraudes. Na decisão, entretanto, o TCU afirma não ter determinado a suspensão de qualquer atividade da Ancine.

    Ação civil pública
    O procurador da República (MPF) Sérgio Gardenchi Suiama é autor de uma ação civil pública de dezembro do ano passado contra dirigentes e o procurador da Ancine referente à paralisação de 782 projetos audiovisuais contemplados em editais de 2016 a 2018 a serem financiados com recursos do fundo do audiovisual.

    “Tentamos firmar termos de ajustamento de conduta com a diretoria da Ancine, mas não conseguimos compromisso desses diretores com cronograma, metas e prazos”, esclareceu Suiama. Segundo ele, a agência chegou a prometer no final do ano passado analisar 40 contratações por mês, número considerado absolutamente ínfimo pelo MPF frente ao passivo existente.

    “Apuramos que houve uma ordem da procuradoria da Ancine de que não fosse dado andamento a processos, a não ser aqueles que obtivessem liminar na Justiça. Houve, portanto, negligência ao correto andamento desses procedimentos, como houve ação deliberada de paralisação”, denunciou o procurador.

    Suiama relatou ainda que, em 2020, foram liberados recursos para 250 projetos autorizados. Nesse ritmo, segundo ele, a Ancine vai levar de 3 a 5 anos para resolver seu passivo, sem contar novos editais. “Não nos parece razoável do ponto de vista da eficiência do serviço público”, concluiu.

    Negligência
    O deputado Tadeu Alencar (PSB-PE), coordenador da Frente Parlamentar em defesa do Audiovisual, também considerou as limitações impostas ao setor uma “atitude de perseguição”. “Os motivos para não liberação de recursos de projetos já contratados são falsos e também não há contratação de novos, o que mostra a negligência e a atitude relapsa com o setor”, alertou.

    O deputado Paulo Teixeira (PT-SP) sugeriu uma reunião com dirigentes da Ancine e o TCU para resolver a situação. “Não aceitamos esse estrangulamento. O atual governo entende o audiovisual brasileiro como uma conspiração globalista, marxista, mas o audiovisual é plural”, afirmou. A deputada Lídice da Mata (PSB-BA) concorda com essa posição. Ela acredita que o governo identifica o cinema e o audiovisual como “inimigos ideológicos”.

    Durante a audiência, representantes do setor relataram o quadro de crise agravado pela pandemia.

    O presidente da Brasil Audiovisual Independente (BRAVI), Mauro Garcia, fez um apelo para que o Congresso atue para a retomada do setor. “Vivemos o descumprimento da ordem legal e um momento de insegurança jurídica no setor, com a paralisação do Conselho Superior de Cinema, do Comitê Gestor do Fundo Setorial do Audiovisual e da Ancine. Todas as funções, de fomento, regulação e fiscalização, estão sendo descumpridas”, enumerou.

    Representante da Associação das Produtoras Independentes do Audiovisual Brasileiro (API), Cíntia Domit Bittar pediu pressão para que haja a reconstituição da Ancine, com nomeação de novos dirigentes e sabatinas pelo Senado. “A provisoriedade dos mandatos dos atuais dirigentes tem sido usada como justificativa para essa paralisia”, afirmou.

    Lei Aldir Blanc
    Ela relata um cenário dramático entre produtores que sabem sequer os prazos de execução de seus projetos. “A Lei Aldir Blanc prorrogou por um ano a partir da data de cada projeto, mas a Ancine entende que o prazo é um ano da promulgação da lei, ou seja, no fim de junho deste ano”, informou.

    Bittar lamenta que o audiovisual não seja encarado como parceiro estratégico da retomada da economia nacional. “Cada projeto que aguarda a liberação de recursos é como se fosse uma pequena empresa. O setor cultural movimenta outros 68 setores da cadeia produtiva. Não é bom negócio manter a Ancine e o fundo setorial travados desse jeito”, destacou.

    A secretária de Cultura do Estado do Pará e presidente do Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes de Cultura, Úrsula Vidal Santiago de Mendonça, apontou o agravamento da desestruturação do audiovisual não só com a pandemia, mas porque projetos premiados em 2018 não tiveram recursos liberados.

    “Desorganizou financeiramente, profissionalmente e artisticamente o setor audiovisual, que é uma cadeia produtiva de médio prazo com programação ao longo de cinco anos e com grupos profissionais trabalhando em cada fase da produção. Pessoas se programam pra viver daquele fluxo que foi completamente paralisado. Estamos há dois anos vivendo essa instabilidade jurídica e institucional”, ressaltou.

    Reportagem – Geórgia Moraes
    Edição – Roberto Seabra

    Fonte: Agência Câmara de Notícias

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