Autobiografia familiar de Jotabê Medeiros
Em autobiografia familiar, Jotabê Medeiros conta a história de seu pai - Foto:Álbum de família

Dois anos atrás, a família Medeiros se reuniu para comemorar o centenário de João Francisco, um brasileiro de Sumé, no sertão paraibano, que migrou para o norte do Paraná. Ele ainda está vivo, hoje com 102 anos. Naquele encontro, um dos seus 20 filhos percebeu que havia ali uma grande história se examinasse o passado da família. Esse garoto tinha 3 anos no ano de 1965 e estava na arriscada viagem que dois caminhões Mercedes-Benz carregados de sal e 12 crianças e adolescentes escondidos na carga fizeram para cruzar o Brasil de norte a sul. Vieram com o último pau de arara.

O jornalista Jotabê Medeiros, editor de cultura desta CartaCapital, era aquele garoto, que cresceu e criou coragem para escrever uma autobiografia familiar. Autor de bem-sucedidos livros sobre Belchior e Raul Seixas, ele procurou imprimir o mesmo veio investigativo adotado nos personagens famosos para falar sobre seu pai. Décimo primeiro filho, o primeiro homem a vingar, ele cresceu sob o jugo autoritário e misterioso de João Francisco, um marchante, uma espécie de açougueiro no Nordeste, dotado do dom de cuidar de cavalos. E coube a Jotabê vasculhar os baús sentimentais de irmãos, tios e quem mais pudesse ajudá-lo a costurar essas pequenas histórias.

Apesar da pródiga linhagem de João Francisco Medeiros, com 20 filhos, 45 netos, 23 bisnetos e dois trinetos, muitas histórias dessa família brasileira se perderam ou jamais foram reveladas. Agora elas vêm à tona em uma narrativa que se inscreve como uma obra robusta da literatura popular brasileira. Com O Último Pau de Arara, preparado zelosamente pela editora Grafatório, de Londrina, Jotabê reivindica uma nesga de espaço para João Francisco Medeiros como um dos pequenos grandes personagens da literatura.

“Meu pai vem de um mundo rústico demais, constipado demais para ser visto com as ferramentas arregimentadoras da nossa época”, descreve o autor, justificando e meio que se desculpando pelas atitudes do pai. Não que ele o poupe, porque sabemos pela escrita elegante e bem-humorada que o ex-marchante batia na mãe e disparava tiros na direção de uma das irmãs. Foi ainda, quando jovem, um justiceiro pelas próprias mãos e crupiê em um cassino. 

O jornalista não reivindica exclusividade de uma história que faz parte da memória afetiva de milhares de famílias. Com personagens humanos, brasileiros, que nos identificam enquanto nação torta que somos, brinca de recontar a formação do Brasil a partir de um povo que aprendeu a laçar, abater, desossar e estripar a lida da vida. É pelos interiores dos nossos interiores que o livro funde as histórias de dois mundos: “Da Paraíba sertaneja e do Paraná pioneiro. Elas se cruzam sem grandes traumas, como se fossem naturezas simbióticas de um país feito todo de diferenças”.

O Último Pau de Arara. Autobiografia familiar de Jotabê Medeiros. Grafatório, 176 págs., 85 reais.

 

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