Dora, uma peça sobre dor e ternura

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Há um exercício de escuta e diálogo travado entre Sara Antunes e Dora. A primeira escreveu, dirigiu e interpreta o solo que leva o nome da segunda. Já Maria Auxiliadora Lara Barcelos, também Dora, Dorinha ou Doralice, morreu aos 31 anos, não sem antes ousar denunciar as violências que sofreu da ditadura em um tribunal na Justiça Militar. Em uma peça online que transita entre a dor e a ternura, a atriz recupera a pouco conhecida história dessa guerrilheira mineira, vinda de um grupo de estudantes de medicina da Universidade Federal de Minas Gerais.

“Para conhecer a anatomia do brasileiro, a medicina não basta”, diz a personagem, em uma das frases pinçadas por Sara, que teve acesso franqueado pela família de Dora a cartas, fotos, documentos e vídeos. Integrante da Vanguarda Armada Revolucionária (VAR), a universitária tinha 23 anos ao ser presa e, logo em seguida, libertada no grupo dos 70 em troca da libertação do embaixador Giovani Enrico Bucher. Na prisão, sofreu inúmeras violações físicas e psíquicas. Depois de libertada, ela passou a viver num exílio forçado entre Chile, Bélgica, França e Alemanha. Em 1976, aos 31 anos, ela se suicidou e não pode voltar ao Brasil. 

A peça Dora vale-se de uma bem apurada pesquisa sobre a trajetória da jovem estudante de medicina, e também de opções cênicas simples e acertadas, como as cenas projetadas, os espelhos e reflexos de água. Em 2016, Sara Antunes foi convidada pelo diretor José Barahona a participar do documentário Alma Clandestina, quando passou a conhecer a história da estudante. Seu interesse foi tamanho que resultou no curta De Dora para Sara, com direção assinada por Sara e Henrique Landulfo. A obra estreou em janeiro deste ano, na Mostra de Cinema de Tiradentes. E agora surge o solo teatral, que trabalha sobre o recorte temporal de 1965 a 1976.

Nessa transposição para o teatro, Sara recupera a vontade que tinha de conversar com a sua personagem. Em um diálogo imaginário, a atriz parece buscar conforto e afetos que nos fazem falta nos tempos presentes. Em cena, ora incorpora a jovem idealista, ora é ela própria ouvindo Dora como se fosse uma velha amiga. A filha, mesmo no exílio, escrevia com frequência para a mãe, Clélia Lara Barcelos. Para montar um jogo de espelhos entre passado e presente, Sara Antunes recorre a uma participação especial de sua mãe, Angela Bicalho, em cena gravada. Dora e o pai da atriz, Inácio Bueno, foram presos e exilados pela ditadura. A peça se encerra com um tributo a Dora na voz firme de Dilma Rousseff, outra combatente da nossa frágil democracia.

Dora. De Sara Antunes. No Sympla, sábados e domingos, às 20 horas, até 4 de abril. Grátis.

 

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