Terminou agora há pouco, na tarde de quarta-feira, 24, no Rio de Janeiro, uma reunião do Comitê Gestor do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) na Agência Nacional de Cinema (Ancine), encontro que alardeava retomar em caráter emergencial investimentos parados há mais de dois anos no âmbito da instituição, principal órgão de fomento federal às políticas audiovisuais. Na reunião, ficou decidido que será criada uma linha de financiamento emergencial de R$ 400 milhões operada pelo BNDES e pelo BRDE.
A linha emergencial da Ancine é um grande engodo. A agência já tem compromissos de financiamento pendentes desde 2018, editais já aprovados, produções em parceria com Estados e municípios, canais de TV e produtoras independentes. Deve cerca de R$ 900 milhões ao cinema brasileiro, então qual ao sentido em criar uma linha de capital de giro agora? Quem toma emprestado, mesmo sendo recursos subsidiados a juros negativos em termos reais, ficará nas mãos do governo (se não pagar, pode ser executado). E, se possui R$ 400 milhões para capital de giro, por que não usa o dinheiro para pagar parte do que tem em compromissos firmados (o dinheiro cobriria todos os editais de 2018, por exemplo)? Da mesma forma que, se a agência diz que tem R$ 700 milhões em caixa e deve R$ 900 milhões, o que a impede de pagar parte expressiva do que deve? Quem é que, devendo 900, resolve o problema criando uma dívida nova de 400?.
A Ancine, na verdade, está tentando, com uma falsa chamada “emergencial”, se livrar do passivo com produtoras e cineastas e demonstrar alguma movimentação, já que está sendo investigada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) por paralisação deliberada das atividades, e o Congresso entrou com pedido de intervenção na agência pelo STJ, para liberação imediata do FSA, que foi retido sem explicação convincente (nem técnica, nem conjuntural). Trata-se de uma estratégia de congelamento das iniciativas, de forma a minar resistências contra a paralisação ilegal do órgão.
Na reunião, decidiu-se, por exemplo, que o custo financeiro dos empréstimos será a TR mais 4% ou a TR mais 5% (caso a empresa cumprir metas de empregabilidade). Os produtores que ultrapassarem empréstimos de R$ 20 milhões serão taxados pela linha de crédito da Linha Padrão (130%). Além do ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antonio, fazem parte do Comitê Gestor do Fundo Setorial do Audiovisual o diretor-presidente substituto da Ancine, Alex Braga Muniz; representantes da Casa Civil da Presidência da República; do Ministério da Educação; do BNDES; membros da Secretaria Especial de Cultura e três representantes do setor audiovisual.
ATUALIZADO ÀS 18H52: Uma corrente de produtores audiovisuais acredita que os R$ 400 milhões que estão sendo aplicados na linha de capital de giro do ato “emergencial” do Comitê Gestor do Audiovisual não poderiam ser transferidos para outras linhas, como pagamentos de editais. Não é verdade: a transferência poderia ser aprovada com esse fim, emergencialmente, pelo Comitê Gestor. Havia uma série de fatos que justificavam uma ação do tipo antes, como a devolução dos recursos ao Tesouro Nacional e a linha de recursos parada na Ancine em plena crise do setor. A natureza dessa linha, criada pela resolução 151/2018, já foi modificada na reunião de hoje. Ela deveria ser utilizada para investimentos de infraestrutura (tecnologia, estúdios, pós-produção). O que o Comitê Gestor criou hoje é uma distorção: o dinheiro pode acabar sendo usado de forma incorreta. Se um produtor pegar R$ 5 milhões para financiar capital de giro, ele poderá investir isso no mercado financeiro, vai ganhar muito mais (tem dois anos de carência para começar a pagar o empréstimo a juros negativos; é possível multiplicar esse valor com dinheiro parado, lucrar e então devolver).