Ascensão e queda do curandeiro João de Deus

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O livro A Casa conta a saga de João de Deus
O livro A Casa, do jornalista Chico Felitti, conta a saga do médium João de Deus, preso por abuso sexual em 2018 e condenado a quase 60 anos de prisão

O livro A Casa, do jornalista Chico Felitti, conta a saga do médium João de Deus, preso por abuso sexual em 2018 e condenado a quase 60 anos de prisão

“Abadiânia não é uma cidade pacata. Não mesmo.” A frase de uma promotora de Justiça da pequena cidade goiana situada entre Brasília e Goiânia sintetiza a atmosfera pesada que envolve A Casa – A História da Seita de João de Deus, do jornalista Chico Felitti. O livro-reportagem acompanha a ascensão e queda do médium e curandeiro goiano João Teixeira de Faria, cuja celebridade mundial foi colhida, em dezembro de 2018, pelas acusações de estupro e abuso sexual por ao menos 351 mulheres. Concluído em janeiro, o trabalho não chega até a concessão de prisão domiciliar a João de Deus, em março, no contexto da pandemia de coronavírus. O místico, hoje com 78 anos, termina o livro preso e condenado, por ora, a quase 60 anos de detenção.

A Casa se alterna em documentar a trajetória de João desde a chegada a Abadiânia, em 1977, e descrever como está a cidade em 2019, após o baque da queda do curandeiro cultuado por celebridades brasileiras (Xuxa, Ronaldo, Marcos Frota, Luciana Gimenez, Bárbara Paz, Ingrid Guimarães, Juliana Paes, Vanessa da Mata, Chay Suede, o “rei do gado” Olacyr de Moraes, o ministro do STF Luís Roberto Barroso) e internacionais (Shirley MacLaine, Oprah Winfrey, Naomi Campbell, Alberto Fujimori). Em cinco viagens a Abadiânia, Felitti documenta a redução drástica de visitações à Casa (como ficou conhecida a Casa de Dom Inácio de Loyola, sede da seita desenvolvida por João de Deus) e a resistência da população local em falar sobre o ex-líder espiritual, assim definido a certa altura por uma personagem: “Ele era um coronel, era Deus”.

Na superfície, haviam as “operações espirituais”, que incluíam facas raspando córneas e tesouras penetrando fossas nasais e atraíram, a partir dos anos 2000, multidões de turistas religiosos dos Estados Unidos e de outros países. Quando uma holandesa rompeu o silêncio em 2018, num programa da Rede Globo (a mesma que, entre outras emissoras, incensara o curandeiro em tempos anteriores), surgiram depoimentos de vítimas de diversos estados do Brasil e de dez países, com idades entre 13 e 67 anos. Uma das filhas do médium veio a público afirmar que fora estuprada pelo pai desde os 10 anos de idade.

Por baixo da superfície, os estupros cometidos por João de Deus sob o véu da fé descortinaram um cenário tenebroso. Veio à tona uma rotina (mal) ocultada por décadas, que incluía intimidação violenta, ameaças, assassinatos, garimpo ilegal de substâncias radiativas, posse ilegal de armas de fogo, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro… O primeiro processo por “sedução contra adolescente” acontecera em 1980, e foi abafado. A saga de João de Deus, de Cachoeira de Goiás ao mundo, retrata um Brasil subterrâneo, sórdido, que só veio à tona recentemente, mas sempre existiu.

A Casa – A História da Seita de João de Deus. De Chico Felitti. Todavia, 264 págs., 60 reais. 

 

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