Morre no Recife aos 92 anos Francisco Brennand,
O artista pernambucano Francisco Brennand, morto hoje, 19, aos 92 anos

O Recife será alguma cidade submersa e os escafandristas tentarão decifrar os vestígios de estranha civilização que floresceu no bairro da Várzea, no jardim de esculturas de Francisco Brennand, e sua conclusão talvez seja inevitável: ali viveu um fabricante de sonhos, um funileiro do fabuloso, um engenheiro do delírio.
Os totens, as esculturas e os brasões espalhados pela Oficina Cerâmica Francisco Brennand (que tinha sido uma antiga usina de cerâmica do pai do artista), obras de visões seriadas de um artista da monumentalidade, abordam temas que transcendem a realidade em muito. Abarcam questões de mitologia, sexualidade, fauna, flora, divindades, ritos, pássaros roccas, feiticeiros, quase tudo permeado por signos da tradição popular do Nordeste brasileiro, um mundo de sombras arcaicas e sinfonias de fábulas muito presente em toda sua trajetória.
Brennand propôs uma aproximação entre as formas da natureza e o espírito humano; talvez ainda mais, propondo uma reconciliação entre o gênio natural, de Deus, e o gênio artificial, do homem, da criatura. Morto nesta quinta, 19, aos 92 anos, de complicações decorrentes de uma infecção respiratória, o escultor, pintor, ceramista, desenhista, tapeceiro, armorialista e sábio pernambucano Brennand articulou, na quase megalomania de um museu-ateliê (no qual viveu por cerca de meio século), a reinvindicação determinada e forte da fusão entre os sagrados de todos os tempos, entre as carrancas do São Francisco e as pirâmides maias de Tulum, as gárgulas góticas do medievo e as caveiras de gado seco da caatinga.

Francisco de Paula Coimbra de Almeida Brennand trabalhou em um conceito altamente solitário, mas ao mesmo tempo prodigiosamente público e popular, tendo sido um grande articulador de debates e discussões artísticas em conluio com alguns dos grandes colegas do seu tempo, como Samico, Abelardo da Hora (o primeiro mestre), Cícero Dias, Ariano Suassuna e Lina Bo Bardi.

Nascido em 11 de junho de 1927, sua carreira começou em 1942. Em uma viagem a Paris, em 1948, conheceu as obras de Picasso, Chagall, Matisse, Braque, Gauguin e Miró. Em 1950, outra viagem, dessa feita por Barcelona, o levou até o modernismo catalão de Antoni Gaudí, que fez sua cabeça definitivamente. Também se deliciou com as obras de Balthus e El Greco e com a boemia parisiense. De volta ao Brasil, em 1958, iniciou o trabalho com cerâmica e também virou muralista. Em 77 anos de trabalho artístico, Brennand somou mais de 90 exposições entre Alemanha, França, Inglaterra, Itália, Uruguai, Estados Unidos, Portugal, Espanha.

Em 1971, após reformar a antiga fábrica de cerâmica de sua família (o antigo Engenho São João), definiu o conceito que o acompanharia até o final: o ateliê em progresso. Quem passeia pelo crepúsculo do Recife não passa incólume por suas obras que cortam a paisagem no Parque das Esculturas, erguidas sobre um arrecife em frente à Praça do Marco Zero.

Sua vida e obra foram tema do documentário dirigido por sua sobrinha-neta, Mariana Brennand, e o resultado será exibido hoje, 19, no canal Curta!, em homenagem a ele. A obra descreve a carreira do pernambucano a partir do diário do artista – iniciado há mais de 60 anos -, que contém registros de sua rotina e suas ideias.

O documentário ganhou dois prêmios na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo em 2012: Melhor filme, premiação do júri da Associação Brasileira de Críticos de Cinema e Prêmio Itamaraty como o Melhor documentário.

Francisco Brennand (Documentário). Direção de Mariana Brennand. Hoje, 21h30. Canal Curta! Duração: 75 min. Classificação: Livre. Horários: 20 de dezembro, sexta-feira, às 1h30 e 15h30; 21 de dezembro, sábado, às 9h05; 22 de dezembro, domingo, às 19h; 23 de dezembro, domingo, às 9h30.
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