Das sete artes, o teatro é das que mais parece ter de mergulhar fundo na quarentena. Como reunir plateias se a regra é do isolamento social, da distância mínima de 1 metro, da não-aglomeração? O grupo Arte Simples de Teatro decidiu enfrentar o desafio de quebrar a quarta parede, ainda que virtualmente. A companhia apresenta três pequenos monólogos a partir de 2 de maio pela internet. E assim, de forma pioneira, as atrizes Isadora Petrin e Andrea Serrano, dirigidos por Tatiana Rehder, estarão, na prática, criando um novo gênero das artes cênicas.
“Por que não investigar o lugar digital do Zoom (a plataforma digital de exibição dos monólogos) como forma de teatro?”, pergunta Tatiana. O trio decidiu iniciar com o espetáculo Amores Difíceis, que estreou fisicamente em 2017 na capital paulista. Os monólogos são baseados no livro Os Amores Difíceis, de Ítalo Calvino. Mas para inaugurar este teatro na quarentena não bastava fazer teatro filmado, que algumas companhias têm disponibilizado online as filmagens de espetáculos antigos. E muito menos se assemelhar a uma live musical, que virou a modinha da vez da cultura.
Os desafios de se fazer teatro na quarentena são imensos, já que cada atriz estará encarregada de fazer tudo. E tudo significa dar boas-vindas ao público na plataforma Zoom, tal como um bilheteiro, ser cenógrafo, figurinista, operador de som e vídeo, produtor. “A ideia é investigar linguagens teatrais diferentes, inclusive. Tudo é novidade para nós. Há um corpo ‘pela metade’ no Zoom, e é preciso levar toda a teatralidade para a cena”, explica Tatiana. Mas foi graças a essas dificuldades, que o trio voltou a respirar teatro, voltando a ensaiar diariamente para que o espetáculo funcione no ambiente digital.
O espetáculo original continha 12 cenas de 7 a 9 minutos cada. Para o teatro na quarentena, foram escolhidas três cenas e cada uma delas foi esticada para que tenha começo, meio e fim. Os monólogos, com cerca de 25 minutos, serão apresentados em dias alternados e distintos. Em Julieta, a atriz Isadora Petrin confidencia que sempre quis interpretar Julieta, de William Shakespeare, e que graças ao isolamento social poderá realizar este sonho – afinal, ela é quem está no controle. No ensaio aberto, realizado no sábado (25/4), houve até interação com uma pessoa do público, chamada a contracenar com a Julieta.
Já em A Banhista, Isadora experimenta seu bíquini novo em uma praia, mas o que há ali é a descoberta de seu próprio corpo. A atriz Andrea Serrano, em A Viajante, conhece o amor de sua vida em um cruzeiro, fazendo de tudo para que essa relação dê certo.
Há ainda muito para se testar e refletir sobre esse fazer teatro na quarentena. Profissionais dos mais variados ramos estão tendo de se reinventar para continuar na ativa. Atores e diretores do teatro e da dança certamente têm algo a aprender também. E com a possibilidade de encontrar e criar novos públicos, alguns que talvez nunca chegaram a frequentar um teatro.
Para se conectar, o público precisa entrar no perfil @amoresdificeis, do Instagram. É lá que se pegará o link para acesso à plataforma Zoom – até 100 pessoas por apresentação. Toda peça será gratuita, mas quem quiser poderá pagar um “pós-ingresso” de 20 reais na plataforma Sympla, fornecida pela atriz ao fim do espetáculo – no melhor estilo de passar o chapéu. Metade do valor arrecadado será destinado ao Fundo Marlene Colé, que está com uma campanha de solidariedade para técnicos e artistas das artes cênicas. Merda!
