Uma perigosa portaria da atual gestão do Ministério da Cultura apareceu hoje no Diário Oficial da União. Trata-se da criação de um grupo de trabalho para, em 6 meses, redefinir o conceito de paisagem cultural no Brasil.
Vejam: a paisagem cultural é uma categoria de preservação definida pela Unesco em 1992. A União Europeia passou a adotá-la em 1995. O Brasil só veio a encampar esse conceito em 2009, criando como instrumento jurídico de preservação a chamada “chancela”. Dezenas de especialistas contribuíram para a definição desse instrumento e dezenas de artigos, ensaios e teses foram escritos para que, ao final, uma gestão de fundamentos frágeis se disponha a “rediscutir conceitos basilares”.
Os Lençóis maranhenses, o Pantanal mato-grossense, os Sete Povos das Missões Jesuíticas de São Borja (RS), a Chapada do Jalapão: são vários os exemplos de regiões enquadráveis nesse tipo de proteção, que devem conjugar a junção da paisagem natural com a cultural e a necessidade de preservação.
Tirando o problema da legitimidade do atual governo (se é que é possível excluir isso), há alguns problemas nessa portaria. Primeiro, porque se dispõe a “propor diretrizes para abordar os desafios atuais na constituição de parcerias para a gestão compartilhada das paisagens culturais”. O que são esses “desafios atuais”? Da especulação imobiliária?
A portaria diz que pretende contar “também com a participação de especialistas da sociedade civil”. Mas não há esse tipo de especialista no texto, só membros do Iphan. Seriam consultores contratados? Informa ainda que “poderá ser demandada a revisão da Portaria 127/2009 caso o Grupo de Trabalho da Paisagem Cultural Brasileira construa novas formulações para tanto”.
Durante o governo de FHC, estive (com Vidal Cavalcante) em Porto Seguro, Santa Cruz de Cabrália, Trancoso e toda aquela região para o ato de tombamento da paisagem pelo patrimônio imaterial. Não sei se foi importante para a efetiva preservação, mas considero que é um aporte simbólico do Estado em relação às preciosidades nacionais. Não confio, sinceramente, que um regime de notório desapreço pela democracia, pelo coletivo, o bem comum, tenha zelo para dar conta em seis meses de recriar instrumentos para isso.