À frente do Corinthians, Tite empatou 100 vezes, perdeu 62 e ganhou 176 (uns 40% disso pelo resultado de 1 a 0). Isso lhe valeu o apelido de “Empatite” – obviamente, alcunha empunhada mais pelas torcidas adversárias, mas muitos amigos corintianos também usavam. Como foi que ele perdeu esse título e agora é um reles goleador? Seu time fez 10 gols contra os mais tradicionais adversários da América: Argentina, Paraguai e Uruguai.
Mudou o Tite ou mudou o mundo? Bem, agora ele tem Neymar (e Gabriel Jesus ao mesmo tempo) no time. Neymar praticamente ganhou uma Olimpíada sozinho – fez 5 gols, deu passe para quase todos os outros. O treinador era bom? Não sei, foi demitido há um mês, pouco depois do fiasco num campeonato Sub-20.
Mas não há como discordar que Tite é um tremendo de um estrategista, é chover no molhado dizer isso. Ele provou que pode ganhar títulos com time ruim e com time bom. Como não quero lustrar troféu de título, vou tentando driblar o senso comum, quero especular o que ele fez de certo nessa seleção. Vai permanecer em mim a impressão que, se Tite fosse o treinador do Santos em 2009, Neymar nunca teria sido promovido ao time principal. Faça o teste, coloque no Google uma busca assim: “Tite revelou os jogadores…”. Não virá nada. Há treinadores que são visionários e há treinadores que são missionários – Tite é desse segundo grupo.
Na nova seleção, Tite acertou muito ao tirar Willian e colocar Philippe Coutinho no time. Coutinho está em fase fenomenal, é um fator de desequilíbrio. Willian carregava demais a bola e vivia cercado pelo time adversário, que via num bote ali a chance de abortar ataques e armar contra-ataques. Com inversões rápidas de jogo, Tite diminuiu esse risco, além de contar com volantes habilidosos.
Mas, se quem trouxe Coutinho para a seleção foi Dunga (assim como Fernandinho, Firmino e muitos dos outros), qual a novidade? As “surpresas” de Tite são Giuliano, Fagner, Taison. Não são exatamente apostas colossais, são? Casemiro se escalou sozinho, pelo que fez no Real Madrid. Não convocá-lo seria negar a realidade. O resto é basicamente o mesmo. Tite reconvocou Paulinho após longo jejum, provavelmente pela obediência tática.
A novidade é que Tite conseguiu convencer o time que não existe caminho mais curto até o gol, a não ser que o adversário esteja desguarnecido no momento. O time do espartano Dunga, sem encontrar caminhos, apelava para a ligação direta o tempo todo. David Luís chegou a pensar que era o próprio Gerson. A saída de Hulk extirpou definitivamente o voluntarismo ofensivo.
Outra coisa que mudou no Brasil de Tite em relação ao de Dunga foi a defesa. Na minha visão, fundamentalmente, esculpiu uma nova saída de bola da defesa. Com um jogador chave, Marquinhos, que não é oriundo do setor, além de Miranda (e eventualmente Rodrigo Caio), o Brasil definiu que sair jogando sem dar chutão é o primeiro esboço de um time. Parece um clichê, mas é verdade. Foi nesse setor que Fernando Diniz fez do Audax de 2016 o time mais audacioso do Paulistão. Dunga se via obrigado a escalar sempre a dupla Thiago Silva e David Luís, do esquemão Bolsa de Valores da CBF. Os laterais, os questionados Marcelo e Dani Alves, não são mais highways convidativas de todos os adversários. Esperam a aproximação dos meias para seguir a jogada, ou então recuam. Não se tornaram melhores do que são, apenas corrigiram postura.
Às vezes, uma gestão modesta se transforma na mais ambiciosa. Tite, pelo jeito como está sendo festejado pelos filósofos da vitória, já começa a pegar gosto pela ousadia. Se ele viciar, vai acabar descobrindo também as maravilhas do inesperado, da surpresa. 
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Jotabê Medeiros, paraibano de Sumé, é repórter de jornalismo cultural desde 1986 e escritor, autor de Belchior - Apenas um Rapaz Latino-Americano (Todavia, 2017), Raul Seixas - Não diga que a canção está perdida (Todavia, 2019) e Roberto Carlos - Por isso essa voz tamanha (Todavia, 2021)

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