The Who, a maior turnê da ‘atualidade’ que nunca veio ao Brasil

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Jotabê Medeiros, enviado especial a New Orleans, conta como foi o show dos 50 anos de carreira da banda inglesa que trouxe novos patamares de ambição artística para o rock

Daltrey e Townshed em show triunfante no JazzFest, em New Orleans - Fotos: Douglas Mason
Daltrey e Townshed em show triunfante no JazzFest, em New Orleans – Fotos: Douglas Mason/Divulgação
“Shit happens”, disse Roger Daltrey ao descobrir que tinha de cantar “The Kids are Alright”, e que Pete Townshend tinha trocado a ordem das músicas.

Com o espírito irônico intacto, Daltrey destilava sarcamo. “Festivais! Que bacana! Moda e maconha”, disse também, mas o público não se incomodou com o sarro, sabia que ali estava presente um dos maiores de todos os tempos, e a massa sonora que se formava acima da lama era um presente da natureza do rock.

A turne The Who Hits 50! iniciou em 2014. Era “o comeco de um longo adeus”, segundo disse Daltrey na época. “Haverá uma finalidade para isso”, disse. “Vamos parar de excursionar, tenho certeza, antes que paremos de tocar como músicos em bandas, mas como disse Eric Clapton, trata-se do apelo da estrada, essa incrível energia que traz ao corpo…”

Antes que terminasse, Townshend completou: “As putas, a heroína, a cocaína…” Dois dias após o baixista John Entwistle ser encontrado morto no quarto 658 no Hard Rock Hotel de Las Vegas, em 2002, aos 57 anos, o grupo britânico The Who teve que decidir se continuaria sem ele ou se deixaria a história se encarregar de seu legado. Resolveram seguir em frente apenas com Pete Townshend (guitarra) e Roger Daltrey (voz) da formação original.

“Essa vai ser a maior das turnês fora de moda”, disse Daltrey na ocasião. No ano passado, apos dois anos longe dos palcos, voltaram para celebrar os 50 anos de carreira. Eles tinham enfrentado vários baques nos anos recentes, além da morte de Entwistle. Um dos piores: em 2003, Townshend foi acusado de lidar com pornografia infantil. Mas vê-los ali fazendo os mesmos gestos que encantaram discípulos tao diferentes quanto Eddie Vedder, Joan Jett e Questlove foi emocionante.

Hinos como “My Generation”, “Baba O`Riley” e “The Seeker” (no qual Daltrey dialoga com Beatles, Bob Dylan e Timothy Leary) os tornaram um dos atos mais impressionantes do rock ainda em atividade – alóm dos Stones (de quem chegaram a ser acusados de serem uma versão pobre, acusação à qual responderam com “Substitute”), um dos últimos grandes em ação.

The Who trouxe novos patamares de ambição artística, profundidade lírica e intensidade musical para o rock.

Sem John Entwistle (baixo) e Keith Moon (bateria), parecia que não era possível seguir adiante. Eles engajaram Pino Palladino (que tocara com Eric Clapton e D`Angelo, entre outros) na formação. Na bateria, o filho de Ringo, Zak Starkey (com o cabelo tão tingido que fiquei com medo de escrever que era ele mesmo). O irmão de Pete, Simon Townshend, toca violão e guitarra base. Loren Gold toca teclados, percussão e banjo, assim como Frank Simes, John Corey toca piano e gaita.

Essa tarde, sob chuva fina em New Orleans, eles abriram o show com “I Can`t Explain”, que parece um grito primal do rock’n’roll. Foi originalmente um single de álbum nenhum, lançado em 1964, a música que os lançou na carreira musical. Na época, Townshend adorava os Kinks, e até mesmo admitiu que copiava descaradamente os ídolos, inspirado na velocidade de “You Really Got Me”. Ele tinha uns 18 anos na época, e a gravação de estúdio incluiu até um outro guitarrista que faria história depois, Jimmy Page.

A sequência do show trouxe canções simbólicas importantes, como “The Seeker”, também de álbum nenhum, que foi lançada como single em 1970. Foi o primeiro single da banda apos o sucesso da ópera-rock “Tommy”.

O público do JazzFest cantou de se acabar quando veio “Who Are You”. Do disco homônimo de 1978, “na verdade, eh uma oração”, disse Townshend. “Aquele tipo de coisa de ‘onde Deus esta, quem eh, onde esteve’. Ele estava desesperançado com os rumos que o rock tinha tomado no final dos anos 1970. O guitarrista se meteu em uma bebedeira com dois integrantes dos Sex Pistols num clube chamado Speakeasy, e foi desse incidente que nasceu a ideia da canção.

“The Kids are Alright”, uma celebração da cultura mod, do disco “My Generation”, de 1965, veio a seguir. Um manifesto de atitudes desafiadoras e celebração do tribalismo jovem.

Tudo veio em cascata. “Bargain”, que era um dos momentos mais importantes do disco “Who`s Next”, de 1971. A canção, no original, teve o reforço da guitarra que Joe Walsh, do trio de hard rock James Gang deu a Townshend. Ele tocou com a Gretsch Chet Atkins nesta faixa. Fala da fé do guitarrista do Who no sufismo e em elevação espiritual.

Depois, “Pinball Wizard”, ícone da ópera-rock Tommy, de 1969. O critico ingles Nik Cohn disse que achara a ópera um pouco sombria. “Se a gente colocasse pinball nela, você escreveria uma crítica decente?”, perguntou Townshend.

A idade pesa para todo mundo. Quando fez “My Generation”, Townshend vociferava que preferia morrer a ficar velho. Hoje, careca e circunspecto, renova a alegria de tocar sua guitarra como somente uns dois ou três conseguiram fazer. Daltrey, que terminou o show sem camisa, mostrando orgulhoso que malha, conserva a potência da voz, e os novos músicos que entraram deram vitalidade e recuperaram o peso do Who.

Talvez seja a maior turnê que nunca veio ao Brasil ainda em movimento pelo mundo.

Eles impediram fotos e permitiram VIPs no fosso dos fotógrafos. A celebridade os cerca, mas que não seja pelo dinheiro: a experiência vale a pena.

TheWho2 - Foto Douglas Mason FB

* O repórter viajou a convite do New Orleans Convention & Visitors Bureau, da American Airlines e da organização do festival

Publicado originalmente em El Pájaro que Come Piedra

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6 COMENTÁRIOS

  1. Corrige aí 3: Joe Walsh NÃO tocou em “Bargain”. Uma das guitarras utilizadas na gravação é que pertenceu ao Joe: http://en.wikipedia.org/wiki/Bargain_%28song%29

    Obs: Mesmo com vários erros, esses seus textos são bem melhores, em termos culturais, do que aqueles lixos sobre funk “carioca” que uns abestalhados do Farofafá cometem (inclusive o Pedro, que faz o jogo da direita, quando nivela a cultura popular por baixo).

  2. Honestamente.. amo The Who, mas nao a caractatura deles mesmo, que eles sao ja’ a 20 anos. Na verdade, assencialmente, e da mesma forma que aconceu com o Zeppelin, a banda acabou quando Keith Moon morreu e ainda havia Pete Townsend, Roger Daltry e John Entwistle, mas a assencia se pede sem um elemento tao fundamental ao grupo. Nos brasileiro vivemos sendo poço de pixe de artistas que foram grandes e importantes, mas que a muito tempo vivem de caça niquel. Na moral, grande e fantastico The Who, mas o de 40 anos atras. Apos a morte de Moon, viraram mais um artista cover deles mesmos.

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