As ruas do Rio de janeiro estão tristes, os bares se esvaziaram logo após a apuração do desfile das escolas de samba, não há alarde, nem alegria. Essa frieza ocorre não apenas por ser uma quarta-feira de cinzas, mas pela já contumaz derrota da cultura brasileira em seu templo maior. Sob o desígnio de modernidade, cunhado pela grande mídia, ícones da cultura estadunidense vêm sendo saudados como revolução estética sem precedentes na história do carnaval carioca.

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A iconografia estadunidense

O enredo sobre Ayrton Senna deu margem a mais um desfraldar de bandeiras ianques em nossos espíritos e mentes. Estavam lá os elementos da Corrida Maluca, The Flash e tantos outros a tomar o lugar do Palácio Monroe e do “verdadeiro” Maracanã, não por acaso demolidos. Qualquer turista estrangeiro se espanta com os signos agora adorados. Afinal, onde está o Brasil?

Temas Nacionais 

Durante muito tempo só foi permitido o uso de temas nacionais nas escolas de samba, o que foi tratado, erroneamente, por historiadores como imposto pela ditadura varguista. Tivemos, nesse período, desde expressões de mau gosto como a apologia à ditadura realizada pela Beija-Flor, em 1975, com o enredo “O Grande Decênio”, quanto verdadeiras maravilhas, como “Heróis da Liberdade”, do Império Serrano, em 1969.

Total Liberdade. Será?

Atualmente as escolas têm liberdade total para conceberem seus enredos. Contudo, a manipulação de temáticas estadunidenses, sobretudo da cultura pop e do cinema, trazidas pela Unidos da Tijuca, tem sido tratada como inovadora pela mídia conservadora.

Preocupa-nos a substituição do Curupira pelo Homem Invisível, do Preto Velho pela Cabana do Pai Thomas, de Candeia por Michael Jackson, que está em curso. Parece que estamos viajando demais para Miami e Nova York e negligenciando Parati, aqui do lado. As viagens de nossos carnavalescos a Las Vegas em busca de “novidade” e “apetrechos” só nos dão razão.

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O samba no pé descaracterizou-se, as “modelos” e “rainhas de baterias” com suas vozes grossas ditam a forma de sambar para passistas cada vez mais turbinadas por músculos artificialmente moldados nas academias. A passista de corpo esguio parece ter desaparecido.

No modelo de carnaval da Unidos da Tijuca nos aproximamos de um show da Broadway, ou de Las Vegas, como preferirem os ideólogos da velha mídia. A derrota da Portela e do Salgueiro, neste caso, se enche de significado. No lugar de nossa cultura popular só vemos o vazio, porque não nos reconhecemos. Cabe pensar até quando seremos idiotizados por um discurso falso que conduz à vitória de Dick Vigarista e Penélope Charmosa sobre o Samba.

(Sergio J Dias, 54 anos, é professor de História e geografia do ensino fundamental e médio da cidade e do estado do Rio de Janeiro. É autor do blog Pele Negra, no qual FAROFAFÁ recomenda viva e emocionadamente a leitura do tópico “8 dias sem garis, a greve dos ‘estrangeiros‘”. )

 

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15 COMENTÁRIOS

  1. A evolução da cultura é igual a da linguagem (também cultura): ninguém segura! Não adianta os puristas chorarem. A cultura é dinâmica e acaba incorporando estrangeirismos, fazendo uma salada coerente e do gosto do povo. O Brasil não deve evitar a concorrência externa, deve investir na criatividade, qualidade e produção interna. Não são excludentes. O brasileiro de hoje não é mais o mesmo brasileiro da época que inventaram o Curupira. Não se identificam com aquela criação de um Brasil rural que não existe mais. Hoje, ele prefere o Capitão Nascimento, o Pelé, o Senna, o ministro Joaquim Barbosa, a Turma da Mônica e, também, Os Vingadores, o Batman, o Chaves, as Chiquititas, o Obama, o Facebook, etc. Como alguém disse: “ninguém segura o progresso”.

  2. Visão interessante, mas acredito que não podemos radicalizar demais. Não vejo nada demais em expandir os temas carnavalescos a iconografia estrangeira. Paulo Barros teve que usar toda a sua criatividade para falar do Senna. Na verdade ele expandiu para a velocidade. Outra coisa. Será que o Dick Vigarista e sua Corrida Maluca não se tornaram globais, apesar da origem estadunidense? Será que esses personagens não estão no nosso imaginário? Sou Portelense e professor de geografia também. Adorei o desfile da Portela. Não gosto da ideia nacionalista, já serviu para justificar muitas atrocidades. O samba é do Brasil suas raízes são mostradas e valorizadas na avenida sim, mas não podemos privar os carnavalescos com temas tão interessantes do “estrangeiro”. O próprio Paulo Barros ganhou um carnaval sobre o nordeste com um desfile magistralmente brasileiro homenageando o mestre Luiz Gonzaga. Alguns meios de comunicação tendem a exaltar o estrangeirismo sim, mas isso é outra história.

  3. O uso dos personagens da “Corrida Maluca” está relacionado ao tema da escola, que nesse ano é sobre Ayrton Senna! Não há nada de “uso de temática dos EUA no carnaval”, pq os personagens do desenho animado são “pilotos” e combinam com a temática proposta pela escola!! Portanto, não há nada de rejeição à cultura brasileira por causa disso! Sem ufanismo!!! Por favor, patriotada NÃO!!!!

    “Heroísmo no comando, violência sem sentido e toda detestável idiotice que é chamada de patriotismo – eu odeio tudo isso de coração.”

    Albert Einstein

  4. O Brasil não tem heróis. Em décadas de uma cultura voltada para a glorificação do crime e o coitadismo do mesmo construímos toda uma mídia voltada para o mau que reflete no comportamento do brasileiro ou o comportamento do brasileiro reflete na cultura não sei qual é pior, a polícia foi vilanizada pela esquerda e por intelectuais que geralmente cultuam genocidas, quem seria os heróis brasileiros, super ladrão, ,traficante voador, o super menor assassino, funkeiro destruidor do som.

    O grande problema da esquerda é considerar que a cultura musical brasileira possui alguma qualidade, isso é mentira, em relação as musicas de carnaval essas possuem algum valor cultural, ora não vemos funk, axé e outras coisas semelhantes surgirem em países desenvolvidos e com altos índices educacionais, a música de qualidade brasileira foi enterrada assim como quase tudo de qualidade brasileiro, o processo de aculturação americano diante da nossa cultura é compreensível e saudável ou obrigar que toda população brasileira ouça os ritmos brasileiros atuais é um verdadeiro crime já não basta a programação de TV normal, sendo que eles são o resultado de uma educação com índices piores que países Africanos. Claro que esse processo de aculturação deve ser combatido em parte com uma maior educação brasileira e com o surgimento de ou o resgate de ritmos de qualidade.

  5. Adorei sua colocação sobre os caminhos percorridos,pela invasão estrangeiras em nossas cultura de modo contínuo,silencioso em especial em nossos carnavais (Escolas de Samba) .
    Vou repassar esse site que muito interessante para repensar nossos modos e costumes .

  6. Professor Sérgio, depois de ler sua critica sobre os temas de carnaval das escolas, pensei em te dar meu ponto de vista sobre o assunto. desculpe, mas vou discordar do senhor. É verdade q objetos e imagens trazidas de fora estão cada vez mais presentes nos desfiles. Inquestionável. Mas, eu penso que eles já fazem parte da nossa cultura. Cresci vendo corrida maluca e outros signos ianques, como o senhor se referiu. Se o que contesta é que as escolas abordem temas nacionais penso q isso é o q ocorre. Vivemos em um mundo globalizado, o que vem de fora é incorporado aqui e aderido em nossa cultura. É verdade q há uma predominância de signos norte americanos nela. E nesse ponto poderíamos evoluir atribuindo outras culturas a nossa e não somente a vendida pelos EUA.

  7. O carnaval é a segunda coisa mais importante entre as coisas que não têm importância alguma a primeira é o futebol, portanto, se estão americanizando ou europeizando nosso carnaval para mim não tem a menor importância, eu não vou assistir mesmo!

  8. Concordo sobre uma certa exaltação e demasiada influência americana nos nossos desfiles. Não podemos, é claro, deixar de ignorar a importância de algumas influências e inspirações. Gostaria de ressaltar inclusive a falta de criticidade ou posicionamento social na grande totalidade dos enredos e desfiles de escola de samba… Se formos tratar enredos como o da Portela como histórico, nacional e talvez por isso “legítimo”, não devemos esquecer que a mesma tratou de forma branda e um tanto quanto superficial sobre os acontecidos no Bota-a-baixo e em toda a reforma Pereira Passos, dando ao enredo a mesma visão parcial e um tanto quanto “estética” da ocasião, exaltando, inclusive, todo um Rio de Janeiro afrancesado… Não acho o enredo da Portela ruim e muito menos o desfile, achei-o incrível por sinal e digno das glórias portelenses… Só usei-a como exemplo para dizer que , para mim, não basta falar e focar enredos e desfiles nas nossas histórias, tem que haver crítica, conscientização e um “despertar” em relação a todas as memórias que a História apagou e que, de alguma forma, muitos enredos acentuam esse desaparecimento, legitimando aquelas histórias tidas como “verdadeiras e soberanas”.

  9. Discordo. Alguém acha mesmo que as Escolas de Samba do Rio desfilam com o samba no pé? Ou trata-se de um produto para nglês ver? Fico com a segunda hipótese. Outrora, em outros carnavais, até tinham samba no pé. Bastavam os passistas, umas penas coloridas e um grande sambista para pôr a escola na rua. Lembro que as rádio em janeiro tocavam os sambas enredos para o povo decorar e quando a escola passava, a multidão toda cantava. Até os anos 80 era assim. Dá até para chamar de romantismo. Hoje, virou um espetáculo internacional. Paga-se, e bem, artistas de cinema para virem aos camarotes e ver o grande espetáculo da Terra. Nunca vi nenhum deles dar entrevista falando que adoraram ou que ficaram maravilhados ou ainda que pretendem voltar. O Carnaval virou uma festa das indústrias de cerveja. Por fim, acho até um preconceito bobo criticar as figuras dos desenhos animados do desfile da escola campeã, como o Dick Vigarista em vez de promovermos nosso folclore e trazer à avenida o Curupira. Eu me lembro do Dick Vigarista e também do Homem Invisível, ambos citados no texto, como péssimo exemplo. Ambos fazem parte do meu imaginário. O Curupira, não. Seria o mesmo que criticar uma homenagem aos Beatles (quem sabe um dia não role, hein? Seria bem bacana), quando tínhamos os Titulares do Ritmo. Acho que tanto o Curupira quanto os Titulares do Ritmo merecem homenagens. Uma homenagem que não anula a outra. O mundo mudou faz tempo. E as Escolas se adaptaram a ele, queiram ou não.Uma semana antes do Carnaval, o diretor de samba de uma escola carioca disse que “o trabalho é o ano todo, até a véspera da escola entrar na avenida. Afinal tem “passista (?) que vem do estrangeiro (???), chega três dias antes, e precisa decorar o samba e saber como se comportar na avenida”. Acho que a isso damos o nome de negócio, não? É isso. Um grande negócio.

  10. É devido pensentos retrógados e conservadores que nosso país permanece eternamente em busca de desenvolvimento. Dessa forma, “morrerá” em busca. É difícil, para os mais antigos, se render às transformações e soltar as raízes. No entanto, em pleno século XXI, em que mulheres e gays são aceitos, em igualdade aos homens, é preciso modernizar! Felizmente, o Carnaval é uma festa que acompanha toda a mudança. Nunca foi diferente. Basta olha para a história e ver por tudo que ele já passou. Quer vc queira, quer não, a era das penas e plumas passou!

  11. Que eu saiba, o carnaval como conheciamos antes da Unidos da Tijuca pop americana, era uma referencia a cultura francesa, então nao vejo com tanto horror esta transiçao atual.

  12. Não concordo, Sergio. Você pode citar a má qualidade dos sambas, a artificialização dos enredos, tudo no carnaval. Mas afirmar que as escolas de samba estão num ciclo predominantemente alienado em relação ao Brasil, acho até um pouco demais. Vemos a Mocidade, com um enredo de qualidade muito duvidosa SIM, mas retratando Pernambuco, vemos a Grande Rio falando sobre Maricá e a cantora Maysa, a Imperatriz nos trazendo o futebol com Zico na avenida, que é um dos nosso maiores patrimônios nacionais, São Clemente veio com Favela, Império da Tijuca com um belo enredo e samba sobre Batuk e a Portela falando do Rio de Janeiro. Isso tudo sem falar das escolas de grupo de Acesso, que também foram televisionadas e costumam abordar temas de nossa cultura. Tudo isso é se afastar da nossa cultura?

    O que eu acho que a Tijuca aposta é no diferente e que também, na minha opinião, não passa de um ciclo. O público responde bem a esses enredos que trazem elementos cotidianos, afinal, querendo ou não de muito tempo pra cá a influência americana na nossa cultura só cresce e isso não deixaria de influenciar a Sapucaí também.

    Sergio, vale ressaltar também que não temos mais bons enredos falando sobre nossa cultura. Simplesmente nós não temos mais bons enredos! Não se tem o esmero de antigamente na concepção de enredos nos dias de hoje, o que acaba resultando também na qualidade duvidosa dos nossas sambas!

    Abração e quem sabe você me responde!

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