Imagine um país em expansão às vésperas das comemorações natalinas: hordas de cidadãos endinheirados invadem as travessas seguras dos shopping centers para se entulhar de compras. Dinheiro no bolso é o paraíso do consumismo, para quem compra e para quem vende. Esta poderia ser uma descrição fiel do pré-Natal 2013 no Brasil, mas não é exatamente isso que está acontecendo. Ou melhor, não é só isso.

Em vez do entretenimento esterilizado entre quatro paredes, o “rolezinho” com “plaquês de 100” é que tem feito a, digamos, fama dos shoppings brasileiros neste fim de ano. O primeiro evento mais gritante aconteceu num shopping popular em Vitória, há poucas semanas, mas converse com quem quer que ande frequentando esse tipo de estabelecimento nestes dias (e quem não anda?) e ouvirá histórias de um grau desconcertante de ineditismo.

O que é rolezinho? É aquilo que você faz pelo shopping mais próximo de casa, especialmente nos fins-de-semana, para comprar presentes, badulaques, comida ou simplesmente passear com seu shitzu, poodle ou chihuahua. Plaquê$ de 100 (veja vídeo ao final do texto) $ão nota$ de real $uficiente$ para aba$tecer uns tantos amigos secretos de firma desses que ainda nos separam de 2014. O funk-ostentação é a casa por excelência (embora não seja a única) desse tipo de imaginário e de idioma urbano.

Se você quiser entender o que está acontecendo no shopping do bairro neste mesmo instante, melhor que me ouvir tentando explicar o que não sei será assistir ao documentário Funk-Ostentação – O Filme, dirigido pelo produtor Renato Barreiros (também colaborador de FAROFAFÁ) e pelo jovem Konrad Dantas, mais conhecido como Kondzilla, que é também produtor de grande parte dos funkeiros-ostentadores e diretor de grande parte dos vídeos de funk-ostentação que vicejam (não é de hoje) em São Paulo (e não só em São Paulo). Divirta-se, se puder:

São dezenas de nomes. Dezenas de rapazes (onde estão as meninas?) talentosos e por vezes agressivamente provocadores. Dezenas de novos cartolas, joões, gilbertos, caetanos, chicos, lobões (cadê as clementinas, as jovelinas?), que eu e você não nos dispomos a ouvir porque nos sentimos, er, “naturalmente” muito superiores a isto tudo que está aí.

mcguime

Chamam-se MC Guime (foto acima), MC Dede (vídeo abaixo), Backdi & Bio G3MC Boy do Charmes etc. e tal. Vários desses poderiam estar na mesma lista, mas foram assassinados de 2010 para cá (e você e eu nem ligamos): MC Felipe BoladãoMC Felipe da Praia GrandeDuda do MarapéMC PrimoMC CarecaMC Daleste.

O recado por trás do movimento que alguém já chamou (em trans-homenagem ao roqueiro reacionário Roger Moreira) de “nós vamos invadir seu shopping” é transparente: os carinhas que as classes médias e altas se acostumaram a ver apenas na condição de frentistas de posto de gasolina, diaristas, porteiros de edifício e lixeiros estão indo às compras, lado a lado com quem sempre foi a elas e não estava nada preparado para se sentir subitamente acompanhado.

Some bolsa-família, ProUni, cotas, Pronatec, Pontos de Cultura, Brasil Sorridente, Mais Médicos etc. etc. etc., acrescente a morte mais gloriosa deste século próximo-passado (a de Nelson Mandela) e, abracadabra!: seu shopping center favorito pode estar subitamente parecido com um… aeroporto em véspera de feriado.

É óbvio que o fenômeno tem inúmeras e complexas origens (entre elas, o aprendizado das manifestações de junho). Mas não se pode subestimar a centralidade dos funkeiros-ostentação nesta deliciosa nova modalidade de “ocupai-aquilo-que-sempre-foi-seu”. Aconteceu nos Estados Unidos da América, país dos patrões da mídia brasileira, nos anos 1980 e 1990, com o gangsta rap. Aconteceu aqui mesmo, em ondas sucessivas, com o funk carioca e o sertanejo dos anos 1980, a axé music, o pagode (que então chamávamos de “mauricinho”, veja só a audácia que ostentavam aqueles samba-funkeiros dos 1990), o hip-hop de ontem e o de hoje (alô, Emicida!), o neo-forró, o tecnobrega (alô, Gaby Amarantos!), o arrocha, o neo-sertanejo (que ora chamamos “universitário”, veja só o atrevimento que ostentam os sertanejos de hoje em dia)…

Todo e cada um desses gêneros musicais (e comportamentais) mereceu desprezo, repulsa, desaprovação “estética”, por parte de direitas fundamentalistas E de esquerdas uspianas – compreendamos “estética” como uma plumagem que colocamos no nosso horror interno em reparar a cor da pele e/ou a origem social dos fazedores desses fenomenais movimentos CUL-TU-RAIS e AR-TÍS-TI-COS.

Os funkeiros-ostentadores de hoje em dia são filhos da transformação de era FHC em era Lula-e-Dilma. Os adolescentes que vão fazer “rolezinho”-ostentação nos shoppings (e frequentemente são reprimidos com brutalidade por policiais e seguranças que pertencem à mesma classe social que eles) são filhos dos Racionais MC’s, de Seu Jorge, de Joelma Chimbinha: eles querem MAIS e sabem perfeitamente que não estão pedindo (muito menos devendo) nenhum favor a mim e a você.

Cenas de garotos sendo acossados pelo aparato opressor, infelizmente, não são nenhuma novidade. Mas essa não é, de fato, a novidade do ocupai-ostentação.

Novidade é a convulsão que tem tomado os parapeitos dos shoppings quando começa a repressão policial (o pânico começa a partir da movimentação dos meninos?, ou da reação dos seguranças a eles?). Quem se vê repentinamente fora de eixo, ali, é o público habituê dos shoppings, certamente atiçado pelos administradores desses caixotes escondedores de gente amedrontada. Aí temos a grande contradição, que os funkeiros-ostentadores esfregam nas nossas fuças a cada novo videoclipe de YouTube assistido por 10 milhões, 20 milhões, 40 milhões, 60 milhões e 90 milhões (experimente conferir os números) de consumidores de MÚ-SI-CA.

Qual seria a contradição? Ora, o que os empreiteiros e empresários que constroem esses caixotões mais querem do Natal é uma multidão que abarrote suas lojas e saiadelas depois de várias centenas de reais. Para satisfazer os donos dos shoppings, precisamos fazer rolezinhos bem-comportados. O rolezinho é tão mais eficaz e lucrativo quantos mais plaquês de 100 estiverem circulando dos bolsos dos rolezeiros para as caixas registradoras dos shoppings.

Pois, se é assim, do que é mesmo que eles (vocês) (nós) estão (estamos) reclamando então? Procuremos saber – como diria o cantor negro e ex-ministro da Cultura Gilberto Gil, que muito contribuiu para estarmos hoje neste lugar tão novo e promissor.

Funk-ostentação é o caralho. Nosso nome é braSileiros.

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13 COMENTÁRIOS

  1. Texto tosco…e claramente burguês…
    ok, então vamos agora saudar com honras e pompas a destruição das subjetividades dessas pessoas pq algum pseudo-defensor ingênuo quer alavancar esse tipo de coisa a algo transformador. Mermão, vamos parar com essa conversa mole aí…o capitalismo quer exatamente isso aí: colonizar a mente dos pobres, até que se incorpore a ideologia do patrão, com aquela sede de $ e do “trabalho duro” pra consumir cada vez mais, mais e mais….Ridículo. Me surpreende muito isso ser escrito num site supostamente de esquerda…deveria estar na Veja…ou algo assim.

      • Confusa é a cabeça do sujeito que acha avançadíssimo que o consumismo seja motivo de vanglória, principalmente por parte de pessoas que eram, são e se continuarem assim, serão mais e mais exploradas e oprimidas por essa sociedade em que somos unicamente aquilo que temos, somos meros objetos de venda e consumo… Funk-ostentação, assim como esse lixo que somos obrigados a engolir da indústria cultural, é bizarrice de uma sociedade doente.

          • O que não percebes é que o mesmo relativismo-pamonha que rege a sua postura estética, Pedro, é aquele que justifica e endorsa a anemia política da subjetividade contemporânea. A sua análise parece ter origem dos anais de uma leitura precipitada de Foucault, ou sei lá – ignorando o que é conveniente, como o seu conceito de poder, que quebra com o binômio oprimido/opressor e utilizando o que é conveniente, e o que pessoalmente mais nobre, que é a assunção da historicidade radical das formas sociais.
            Mais Bordieu, por favor: e quanto ao caráter reprodutivo de opressões que o funk ostentação implica? Essa tendência aparente em ver na solução para a opressão tornar-se opressor?
            Você, ao tentar firmar seu relativismo, se esquece que, apesar de não haver realmente verdades estéticas, ou “beleza imanente”, há sim um conjunto de estruturas já objetivadas que antecedem qualquer agência e a partir das quais é possível, sim, julgar e situar o valor artístico de determinada manifestação.
            Compará-los a João Gilberto não é leviano por João ser o representante de uma casta “superior” musical, mas sim porque João, um menininho nascido em Juazeiro que revolucionou a harmonia (eu realmente espero que você saiba do que falo quando uso a palavra harmonia) e o ritmo de seu instrumento, presumindo-se ou não a hegemonia ou elitismo de sua arte: o que superioriza João é o limite objetivo possível de situação histórica e musical, não um suposto elitismo estético. O que faz de João, João, é, em verdade, mais semelhante com a universalidade da dissonância do intervalo de quarta aumentada (um fenômeno físico, objetivo e comprovadamente relacionado com a própria estrutura da audição humana e, segundo alguns estudos, de outros mamíferos) do que com o que elege o crítico musical blasè sem nunca se referir ou analisar, bem, a música.
            O funk-ostentação, julgado pelas suas próprias premissas, não pelas premissas da pós-tonalidade de Stravinsky ou da “transcendência do jazz” (como bem cutucou Elis) falha magistralmente. É uma rendição disfarçada de afirmação.
            Daí me perguntas: quem é você para dizer isso, ó burguesinho intelectual?
            E eu te pergunto: e você, quem é? Não é você também parte da intelligentsia ocidental, impregnada ainda do iluminismo humanista (se conveniente) e da pressuposição de que alguma manifestação precisa de sua tutela para se eleger enquanto arte?
            O funk-ostentação é a cara da domesticação do funk. V

  2. No mais, é uma injustiça com o João ser usando de “standpoint” do elitismo brasileiro. E uma ignorância do sentido da obra de João.
    João, que não compõe mas recompõe, diversas vezes recuperou e modernizou sambas de uma época em que o samba tinha o mesmo estatuto musical e cultural do funk: era lixo, era relacionado à promiscuidade, ao uso de drogas, à pobreza de cultura. Há um álbum muito interessante, chamado Os Sambas que João Gilberto Ama, que é uma coletânea das versões originais de sambas muito antigos, do tempo em que o samba não tinha ainda descido o morro e só era aceite se cantado numa voz branca aboleirada. Das vinte e cinco músicas, quatro abordam temáticas da afirmação do samba em face de uma classe elitista hostil e estúpida, que não sabe valorizar e relega ao descaso o “samba brasileiro democrata, brasileiro na batata”. Algo em comum com o funk? Diz-lhe algo sobre a opinião de João no assunto?
    Aqui vai um trecho de Samba da Minha Terra, de Dorival, regravada por João e, depois, pelos Novos Baianos:

    “Quem não gosta de samba
    Bom sujeito não é
    Ou é ruim da cabeça
    Ou doente do pé”

    E que tal a ANTOLÓGICA Pra Que Discutir Com Madame, brilhante samba de Janet de Almeida a ironizar o ranço da classe média da altura, encarnado na madame:

    “Madame diz que o samba tem cachaça,
    Mistura de raça, mistura de cor
    Madame diz que o samba, democrata,
    É música barata sem nenhum valor

    Vamos acabar com o samba
    Madame não gosta que ninguém sambe
    Vive dizendo que samba é vexame
    Pra que discutir com madame?”

    Outro samba, gravado em 1946 pelo grupo Anjos do Inferno, de composição de Janet de Almeida também:

    “Há quem não goste de samba
    Não dá valor, não sabe compreender
    O samba quente, harmonioso e buliçoso
    Mexe com a gente e dá vontade de viver
    A minoria diz que não gosta mas gosta
    E sofre muito quando vê alguém sambar
    Faz força, se domina, finge não estar
    Tomadinho pelo samba, louco pra sambar”

    Novamente, Janet de Almeida a afirmar o samba não só como um gênero, mas como uma realidade:

    “Eu quero um samba feito só pra mim
    Me acabar, me virar, me espalhar
    Eu quero a melodia feita ASSIM
    Quero sambar porque no samba eu sei que vou
    Me acabar, me virar, me espalhar
    A noite inteira até o sol raiar”.

    Há paralelos claros entre o samba, o funk e o João. Paralelos completamente ignorados atualmente, sempre em detrimento do samba e do João, claro. Se essa consciência histórica, que está aí, disponível para todo mundo na internet, fosse visualizada? E se essa ponte se fizesse e se percebesse que a situação do funk não é tão particular quanto se pensa no Brasil? E se se mostrasse tanto pro funkeiro que ignora sua herança ou pro ouvinte de Cartola que se acha o suprassumo da intelectualidade que o samba, o sagrado samba, já foi taxado de música de merda, de lixo cultural? João viabilizou a atualização dessa consciência, conscientemente com certeza. E agora, quietinho como é, é coberto de intempéries que sempre o situam aonde o situa o seu fã elitista. É uma injustiça visto que a obra fala tanto mais que o intelectualóide fã de bossa-nova elitista. Mas também fala mais que o cantor de funk que ignora toda e qualquer raiz histórica e acaba por se amparar na estupidez da própria classe que o hostiliza para se firmar. Mais história, menos relativismo-pamonha irresponsável (que é uma constante em seus escritos, devo notar).

    Um grande abraço. Sobre o texto que escrevi acima, os dois, não se relacionam completamente com esse artigo em específico mas com o teor geral dos seus textos que, da forma mais banal que já vi, tentar firmar ritmos populares frente a posição hostil de muitos – não é a tua intenção, é a forma como fazes que me incomoda. Novamente, desculpe a verborragia, e há braços.

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