A consciência do funk

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Este é um texto sobre funk, mas você não vai ler nada a respeito de mulheres de bíquini, carros turbinados ou iates, bebidas alcoolicas e muito menos marcas famosas. Comecemos pela história de Pedro Henrique Monteiro, de 30 anos, ex-viciado de crack, vendedor de drogas, assaltante e que antes de completar 18 conheceu a vida atrás das grades. P.drão, seu nome artístico, nasceu e mora em Belo Horizonte, uma terra cheia de significados para o movimento, muito embora não fosse assim que via o menino Pedro. Na adolescência, ele gostava de rap, a música que o fez desistir da vida criminal. Foi numa oficina de hip-hop que descobriu como produzir vídeos bons e baratos. Corria o ano de 2000, o YouTube só viria a ser lançado cinco anos depois, mas P.drão sabia que seu futuro estava traçado.

Gravação de videoclipe da equipe de P.drão - Foto Fernanda Lopes
Gravação de videoclipe da equipe de P.drão – Foto Fernanda Lopes
Seis anos atrás, o produtor de vídeos recebeu uma ligação de MC Romeu, um funkeiro de Beagá que admirava o seu trabalho. Ele encomendou a produção de um clipe para a música “Rainha” – até hoje, já teve mais de 4 milhões de acessos. O que poderia ter sido apenas mais um trabalho para P.drão se tornou seu ganha-pão. Embora fosse amante do rap, ele se identificou com MC Romeu e sua letra que fala do arrependimento de um “vida loka” que desperdiçou o amor de uma mulher. E foi a partir desse vídeo que ele descobriu que a sua terra natal era o berço do funk consciente. Se no Rio prevalece o estilo mais dançante e em São Paulo, o da ostentação, Belo Horizonte concentra o maior número de artistas que preferem canções com histórias que falam da realidade das periferias.

“Se olharmos a história do rap, do hip-hop e do funk, vemos que eles são praticamente primos”, diz P.drão. “O pessoal do rap vive de uma forma muito fechada e por isso não vê semelhanças entre os dois movimentos. Nunca vai se identificar com o funk proibidão ou o de putaria. Mas não pensa duas vezes na hora de abraçar o funk consciente.”

MCs como Dodô, Yuri, Caçula, Bigô e Joel são alguns dos representantes dessa vertente mineira. Seus funks falam das histórias de vidas sofridas, de amores perdidos ou proibidos, da violência nas periferias e de como tudo pode ter melhorado, apesar de ainda faltar muito nas comunidades.

MC Pardal, outro mineiro de Beagá, começou tocando o estilo consciente há seis anos. Como P.drão, cresceu ouvindo rap, mas musicalmente se identificava com a batida do funk. Sua inspiração inicial foram funkeiros cariocas, como Cidinho & Doca, MC Bebê, Pixote, Andrezinho Shock e Bob Rum. Sim, houve um tempo em que o funk carioca tocava músicas como “Rap do Silva”, de Bob Rum: “Era trabalhador, pegava o trem lotado/ E na boa vizinhança era considerado/ E todo mundo dizia que era um cara maneiro/ Outros o criticavam porque ele era funkeiro/ O funk não é modismo/ É uma necessidade/ É pra calar os gemidos que existem nessa cidade”.

O funk carioca, depois de um certo momento, passou a só abrir espaço para o batidão, o proibidão e as músicas de conotação sexual, marginalizando o estilo consciente. E esse é o maior temor que os mineiros têm hoje em dia, o de serem atropelados pela história ou pelo bonde da ostentação. MC Pardal, ou Gleidson Mendes da Silva, teve de se render ao estilo importado da capital paulista. Passou a falar de uma vida de luxo que não é a dele, mas isso representou o sonhado passaporte para as casas noturnas. “Em seis meses de ostentação, já ganhei mais do que em cinco anos e meio com o funk consciente”, diz.

O jovem de 24 anos faz de quatro a seis shows por mês e cobra até R$ 2,5 mil por apresentação. É pouco se comparado com os cachês de São Paulo, que giram em torno de R$ 10 mil a 20 mil, mas muito para quem antes tinha dificuldades até em agendar shows. “Pô, o que me faz mais feliz, o ostentação ou o consciente? Essa é uma pergunta difícil. Financeiramente, é o ostentação. Mas ver uma criança pedindo um autógrafo ou abraçar uma mãe chorando porque sua música consciente deu sentido a vida dela é maravilhoso.”

Promoção para gravar clipe gratuito de funk consciente
Promoção para gravar clipe gratuito de funk consciente
Washington Veloso, de 25 anos, o Tom da Tom Produções, já gravou muitos clipes para os mineiros do funk consciente, mas ultimamente tem recebido mais pedidos para gravar os estilos dançante e de ostentação. Tom vê com tristeza esse movimento. Tanto que anunciou em sua página no Facebook que decidiu bancar a produção de três videoclipes de funks conscientes. “É para ver se dá uma animada na galera. Esses vídeos são como se fossem um filme, com histórias contadas com começo, meio e fim.”
Um dos motivos de o funk ter virado uma febre nacional, para o desgosto de muitos, é que ele tem uma produção contínua como poucos outros gêneros são capazes. Faz-se uma letra, que no caso do ostentação invariavelmente falará de mulheres bonitas, bebidas, carros e “plaques de 100” (dinheiro), grava-se um clipe bem produzido (alguns chegam a custar R$ 100 mil) e procura-se viralizar a música nas redes sociais para garantir um sucesso instantâneo. É isso que faz o MC e sua equipe serem convidados para as casas noturnas, onde cobram cachês altos.

O que se pode questionar é que esse tipo de produção em série não valoriza a permanência, isto é, nada é feito para durar. “Ah, Lelek” já é música velha, não serve mais, mesmo tendo sido um fenômeno com mais de 35 milhões de visualizações. Muitos canções de rap, com suas letras críticas, permanecem na memória afetiva. Mas é com o objetivo de fazer do funk uma música contemporânea que lutam MC Garden, ou Lucas Rocha da Silva, de 19 anos, e seu parceiro, DJ Vinicius Boladão, de 20. Os dois são autores do funk “Isso é Brasil”, que foi intensamente compartilhada durante as manifestações de junho no país. A letra começa com uma crítica feroz ao pastor Marco Feliciano (PSC-SP), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, mas percorre vários dos problemas brasileiros: “Olha lá nossos governadores/ não investem na educação/ pra não ter uma geração de pensadores/ pensadores tentaram avisar/ mas você fingiu que não viu.”

MC Garden é de Americanópolis, zona sul de São Paulo, e um dos poucos que assume a bandeira do funk consciente na terra da ostentação. Ele decidiu gravar esse estilo justamente para alertar grande parte dos jovens de que “as coisas não são fáceis do jeito que se mostra nos clipes” e que é preciso trabalhar, estudar e respeitar os pais. “As crianças escutam muito funk, mas o que eles ouvem não é a realidade que vivem”, afirma. Ele sabe que a “massa funkeira”, o público em geral, prefere as músicas que falam do luxo, do Brasil como o país da eterna festa, porém acredita que haja espaço para canções de protesto.

Do pai, Jeremias, professor de matemática e dono de uma ONG que ajudava pessoas carentes, MC Garden herdou o espírito crítico que acompanha seu desejo de se tornar um artista. O pai sempre ouvia rap, nomes como Face da Morte, Consciência Humana e Expressão Ativa, mas foi com um tio que lhe emprestou um MP3 player que aprendeu a gostar de funk. Na escola, ouvia os estilos proibidão com um pé atrás.

Com Vinicius Boladão, passou a compor novas letras na mesma batida, porém substituindo-as por críticas sociais. A dupla trabalha agora numa música que vai falar da Copa do Mundo e dos protestos de junho. “As manifestações vão voltar, acho que em breve, porque o que os governantes estão fazendo não muda nada a nossa realidade”, diz MC Garden. Consciência, como se vê, ele tem de sobra.

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8 COMENTÁRIOS

  1. Nem vou entrar aqui neste comentário no assunto estético do gênero “funk carioca” e suas vertentes (um assunto polêmico), mas quanto ao adjetivo “consciente” do tipo de letra comentada, é preciso dizer que se trata daquela “consciência política bem senso comum”. O politicismo raso (focar na superfície política e esquecer da estrutura econômica que sustenta tudo: o modo de produção capitalista). E é senso comum mesmo, bem espalhado, não é algo apenas de gente da periferia – vide várias bandas consagradas de rock que já escorregaram em letras bobas ao falar diretamente de política (‘Que País É Este’, da Legião Urbana, por exemplo, serve também de “hino dos coxinhas”). Mas é claro também que se interessar pelo assunto já é algo bom em comparação com o abominável subgênero de ideologia burguesa chamado “ostentação”.

  2. Sou mc mas infelizmente não não tenho muita oportunidade de grava meu som mas admiro muito os mc.s de BH principalmente o mc dodo mc romeu mc yuri sou fan e nois….

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