A Rede Brasil de Festivais, formada por seis circuitos regionais, assume o lugar da associação

Era uma vez uma Abrafin (Associação Brasileira de Festivais Independentes) que, para muitos, estava com os dias contados. Em dezembro do ano passado, no primeiro dia do IV Congresso Fora do Eixo, fundadores de festivais tradicionais da cena indie brasileira como RecBeat, Abril Pro Rock, Casarão, Mada e El Mapa de Todos, que formaram o Grupo dos 13, decidiram romper com a atual gestão da associação e não faltou troca de acusações dos dois lados. Cada um seguiu com a sua turma, mas não faltaram previsões pessimistas. Pois bem, a Abrafin morreu. Ao mesmo tempo e por mais contraditório que isso pareça, a Abrafin vive!

“A Abrafin está se transformando na Rede Brasil de Festivais”, declara Atílio Alencar, gestor do Circuito Sul de Festivais Independentes. O ativista cultural, que atualmente vive e trabalha na Casa Fora do Eixo Porto Alegre, afirma que a nova entidade vai assumir uma forma de gestão mais descentralizada, a partir da união de festivais autônomos, porém interligados por circuitos regionais. Acaba-se a figura do presidente (o seu último dirigente foi Talles Lopes) e mesmo o de uma associação. “Digamos que a Abrafin foi a lagarta que precedeu a borboleta.”

Na atual composição da Rede Brasil de Festivais, serão seis gestores regionais, os dos Circuitos Mineiro, Centro-Oeste, Paulista, Nordeste, Amazônico e Sul. Nesta quarta-feira, foi lançada oficialmente a rede. E, claro, lançada nas redes sociais. A seguir, um bate-papo com Atílio Alencar, que explica ao FAROFAFÁ os novos planos dos festivais independentes:

Eduardo Nunomura: 107 festivais, 88 cidades, 6 mil artistas. A Abrafin agora é a Rede Brasil de Festivais. É a resposta para quem dizia que a associação estava com os dias contados?
Atílio Alencar: É acima de tudo uma resposta aos nossos tempos. Não fazia mais sentido manter uma associação nos moldes da Abrafin, que apesar das contribuições à cena musical brasileira, ainda obedecia uma lógica de gestão um tanto centralizada. Nesse sentido, a Rede Brasil de Festivais é a ressignificação da Abrafin, agora pautada pelas gestões regionais e pela integração dos circuitos de festivais, que seguem mantendo sua autonomia territorial.

EN: Como vai funcionar na prática a Rede Brasil de Festivais Independentes?
AA: Basicamente, a Rede vai funcionar como um ambiente de convergência dos circuitos regionais de festivais, pautando ações em escala nacional, mas nunca perdendo de vista a realidade ao entorno de cada plataforma. Não há mais processos seletivos centralizados nem critérios padronizados para inserção no grupo, uma vez que são os circuitos regionais as instâncias mais sensíveis e legítimas para a avaliação de cada solicitação de participação. Estaremos juntos debatendo políticas públicas para festivais, renovação estética da cena e formação de novos agentes, de forma contínua e aberta.

EN: Se cada circuito é formado por festivais locais ou regionais, todos com independência e programação, por que formar uma rede nacional?
AA: A Rede Brasil de Festivais tem motivação no fato de que ainda trabalhamos – nós produtores de festivais independentes – em condições geralmente precarizadas, mesmo sendo responsáveis por uma boa parcela das ações de circulação e e de renovação dos cenários. Trata-se muito mais de um fórum que busca conectar as experiências e soluções criativas em cada região, evidenciando o imenso calendário de festivais brasileiros e as possibilidades que isso gera, do que formar uma associação de cunho restrito.

EN: Na época que o Grupo dos 13 decidiu sair da Abrafin, Talles Lopes nos dizia que outros 70 festivais já estavam entrando na associação. A Rede Brasil menciona agora 107. Como ocorreu esse “milagre” da multiplicação de festivais?
AA: A própria Abrafin veio estimulando o surgimento de muitos festivais em todo o Brasil nos anos recentes, a partir da geração de referências sustentáveis e consistentes. Só no sul, região em que atuo mais diretamente, assistimos ao surgimento de pelo menos 6 novos festivais de um ano para cá. Isso, somado ao fato de que muitos festivais continuaram vinculados à antiga Abrafin, quando houve a dissidência do que você chama de grupo dos 13, esse número de 107 me parece até tímido perto do que teremos até o começo de 2013.

Festival Gramophone 2011, em Sete Lagoas (MG) - Foto Coletivo Pegada
EN: Uma das críticas à nova gestão da Abrafin é que ela adotava um modelo associativo e colaborativo que prescindia de muitos festivais (palcos) para dar certo. Só que esse modelo acabaria por capitalizar menos os antigos e mais consagrados festivais. A Rede Brasil vai ter mais dinheiro para distribuir entre os circuitos e festivais?
AA: A Rede Brasil não tem recursos monetários próprios, logo não se trata de garantir mais ou menos dinheiro para cada festival. E como temos reunidos num mesmo ambiente festivais de porte e orçamento variados, as demandas de cada plataforma tendem a ser priorizadas de acordo com as instâncias regionais, nas quais com certeza haverá espaço para entender a importância tanto dos grandes palcos quanto dos laboratórios em fase de desenvolvimento. O modo como cada circuito vai negociar com possíveis financiadores tende a gerar modelos replicáveis ou adaptáveis para outros casos, o que não impede também que pensemos em parcerias em âmbito. Mas está tudo em construção ainda.

EN: Já fecharam algum patrocínio?
AA: Alguns circuitos já contam com patrocínio para 2012, outros estão debatendo a criação de editais específicos para festivais em seus estados, As estratégias de sustentabilidade variam de acordo com cada regional.

EN: Rede Brasil e Fora do Eixo já nascem bem unidas?
AA: O Fora do Eixo, como uma rede que está radicalmente envolvida com várias iniciativas culturais independentes do Brasil e que produz dezenas de festivais por ano, com certeza assume uma relação de organicidade com a Rede Brasil de Festivais (não mais Abrafin). Mas em cada circuito há festivais mais ou menos próximos do FdE, e mesmo alguns que não guardam vínculo essencial conosco. A ideia é que a RBF funcione baseada na autonomia de cada circuito, que não necessariamente é composto por festivais realizados pelo FdE.

EN: O público está curioso em saber se já dá para antecipar que músicos, bandas e gêneros vão circular pelos festivais dessa rede?
AA: Com certeza nos encaminhamos para um arejamento cada vez maiores dos festivais, em termos de curadoria mesmo – embora isso não signifique que os festivais de gênero estão desaparecendo. Então, o que dá pra esperar são intercâmbios cada vez mais intensos e frequentes entre as cenas de cada região, o que deve contribuir para que novos nomes continuem a despontar na música brasileira.

EN: Poderia dar exemplos de cidades que a Rede Brasil vai alcançar? Essa nos parece ser uma grande contribuição da criação da rede.
AA: Vamos ter festivais ocupando desde as grandes capitais até cidades como Sapiranga (RS), Serrana e Piracicaba (SP), Poços de Caldas e Ouro Preto (MG), Cajazeiras (PB), Vitória da Conquista (BA), Criciúma (SC), Inhumas (GO), Boa Vista (RR). Enfim, o alcance da rede vai se traduzir pela capacidade de conectar tanto as cenas metropolitanas quanto as do Brasil profundo: do sertão, do pampa, do litoral, da serra e contando.


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