Grupo dos 13 + Abrafin 2.0 = 2012

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Abrafin ou Grupo dos 13? Fora do Eixo ou “querendo-entrar-no-eixo”? Arquitetura em rede ou modelo vertical? Ou as duas turmas separadas, mas juntas, em benefício da diversidade da nova música brasileira?

O divórcio foi anunciado logo na abertura do IV Congresso Fora do Eixo (FdE), na segunda-feira 12 de dezembro, com a debandada de 13 dos maiores festivais da Associação Brasileira de Festivais Independentes. O afobismo-catastrofismo nas redes sociais se valeu de expressões duras para retratar o episódio: “respirando por aparelhos”, “AbraFIM de carreira”, “racha”, “fim do diálogo”, “caiu a house legal”.

Antes de nos açodar a decretar a morte da Abrafin – não somos médicos, nem padres -, FAROFAFÁ ouviu, nos últimos três dias, um pouco do que cada lado tem a dizer.

“Vai surgir mais uma associação para brigar por mais público. Que ela seja sintonizada com o tempo e o espaço de seus representados”, afirma Paulo André, cofundador da Abrafin e bem antes disso, em meados dos anos 1990, idealizador do Abril Pro Rock, iniciativa pernambucana contemporânea ao movimento manguebit, que antecipou a pujança de festivais que o Brasil vive neste início de século XXI.

“A Abrafin não vai deixar de existir. Vamos só somar. Vai ter mais festivais e mais gente circulando. Já sabemos todos os caminhos para criar uma nova associação, e nossa prioridade será estabelecer uma relação com a iniciativa privada”, diz Leo Bigode, do Goiânia Noize Festival.

“Vamos continuar com os festivais que já saíram e pensam mais ou menos de forma igual. Podemos nos reunir como circuito, rede ou uma nova associação”, cogita Vinícius Lemos, do festival Casarão, de Porto Velho (RO). A ideia dos dissidentes é que até abril se realizem reuniões para definir qual será o novo formato dessa união.

“Nesta semana, 30 novos festivais pediram filiação à Abrafin. Ao todo somos mais de 70 e contando. Se isso é estar na pior, pohan! =)))”, ironizou no Twitter Pablo Capilé, capitão-mor do Circuito FdE, oriundo do Espaço Cubo de Cuiabá (MT).

“Se não tivéssemos este momento, iríamos ser atropelados pela história. Não estamos desmerecendo os que saíram. São grandes festivais, têm relevância histórica, e com as lutas que vamos continuar fazendo continuará pingando para todo mundo”, defende o mineiro Talles Lopes, atual presidente da Abrafin e integrante “orgânico”do sistema FdE.

“A luta é para ampliar o recurso para os festivais independentes e não só para os meus (ligados ao FdE)”, responde Fabrício Nobre, ex-presidente da entidade, atualmente à frente do Bananada, em Goiânia.

Reunião da Abrafin no Auditório do Ibirapuera, dia da ruptura da entidade

Os 13 festivais que assinaram o documento de desfiliação da Abrafin dizem não concordar com os rumos que a entidade tomou depois que o FdE, dois anos atrás, conseguiu eleger Talles como presidente e outros membros do coletivo como diretores. A partir daquele momento, afirma Paulo André, festivais menores e ligados organicamente ao FdE passaram a ter privilégios. “A Abrafin virou uma associação dos festivais do FdE.”

“Somos de uma tendência distinta e não queremos estar sobrepostos, enquanto Abrafin, ao FdE”, diz Vinícius. Segundo ele, empresas patrocinadoras ficaram “chocadas” com a tomada de poder da entidade pela turma de Capilé, o que causaria dificuldades para obter recursos junto à iniciativa privada. “Quem não é do FdE não participa e não tem muita conversa”, complementa.

Vinícius acrescenta outra crítica ao ativismo FdE: “Existe o Fora do Eixo da música e o do lado social, que se envolve com marcha da maconha, da corrupção, e fala muito pouco sobre música. Não somos contra, mas somos focados na música. A Abrafin não devia estar se posicionando sobre isso, e estávamos ficando muito colados a essa marca do FdE”. Ou seja, subjacente à cisão parece estar o conflito entre dois modos de ver o mundo: um que acredita que música é só música, ou no máximo política cultural de bastidor, e outro que afirma acreditar que a política está em tudo e parece querer escancarar isso publicamente.

Neste vídeo, alguns representantes do grupo dissidente explicam os motivos da saída, deixando evidente seu descontentamento com o fato de que os festivais que não eram ligados ao FdE acabavam tendo de carregar essa chancela. “Quando você lê uma crítica de Álvaro Pereira Jr. ou do China, ninguém fala só FdE, mas Abrafin e FdE. É como se todo festival fizesse parte do FdE”, diz Vinícius, citando dois pontas-de-iceberg midiáticos de rejeição ao FdoE. “Não somos nem melhores, nem piores, mas não queremos o modus operandi que eles estão adotando.”

Talles explica o que vem a ser a Abrafin 2.0, como apelida o “software” constituído por Abrafin + FdE. A associação sairia do modelo vertical (presidente, diretores, representantes dos festivais, novos festivais reivindicando filiação) para o de rede, constituído por circuitos regionais (no qual não se esperaria que um festival dure três anos consecutivos para associá-lo, como prega o estatuto da Abrafin) e gestão descentralizada.

“O pessoal tem de entender que o ativo que cada um vai receber são as inúmeras possibilidades de troca que ele pode fazer”, diz Talles. É a discussão controversa sobre se uma banda deve se sujeitar a eventualmente tocar sem receber cachê ou tocar em festivais menores para formar público, como defende o FdE. Em alguns casos, o cachê envolvido são os “fora do eixo cards”, a moeda própria do FdE, que serve para trocas internas. “Quando você sai de três anos de criação para dois, e cria uma regional que já adere à primeira edição, está demonstrando uma disposição para abrir o processo. Não acreditamos que o modelo de um festival grandão de um milhão de reais é sustentável”, continua Talles.

Os modelos em choque, aqui, são o do “artista = pedreiro” versus o do “artista = estrela”. Os cards são chacoteados e combatidos por artistas como o pernambucano China, mas Capilé tem um trunfo recém-conquistado para empunhar: gestor do Auditório Ibirapuera, o Itaú, um banco privado, aceitou alugar o espaço para a abertura do congresso, em troca de cards.

O grupo dissidente entende que a Abrafin, ao se unir umbilicalmente ao FdE, prioriza a disputa política, em vez de buscar novas alianças com o mercado que costuma investir em cultura. O aumento expressivo no número de festivais serviria, nesse sentido, para aumentar o poder de fogo da entidade, e do FdE, para barganhar recursos junto do poder público – que até pode vir de empresas privadas, mas sob a forma de dinheiro oriundo da Lei Rouanet.

“A entidade, com essa nova gestão, pendeu muito para o lado político e deixou de lado a disputa pelo mercado”, diz Lemos. “Criou-se uma dependência de ter recursos do governo. Mas se houver problemas, como uma troca de governo que mude a forma de pensar a cultura, vamos ficar na mão?”, questiona Bigode.

A queda-de-braço entre paradigmas aparece mais uma vez. Os FdE gostam de falar em “código aberto” (o que se espalha para “copyleft”, “creative commons” e assim por diante), tecnologia de ponta a ser aprendida por gente de São Paulo ou do interior do Maranhão. As convicções listadas pelo Grupo dos 13, a princípio, lembram mais reserva de mercado, meritocracia, mecanismos Lei Rouanet/Ministério da Cultura (sob Ana de Hollanda e Antonio Grassi, não sob Gilberto Gil ou Juca Ferreira).

Capilé afirma que só quem estiver se preparando para a economia da escassez conseguirá se adaptar melhor à velocidade da geração digital. “O maior número de festivais vai viabilizar esse modelo de negócio que estamos empreendendo. A partir disso, aquele festival de Itabirito, mais o de Santa Maria, o de Amapá e o de São Paulo, todos vão ter a mesma força e a mesma responsabilidade nessa construção”, defende.

Reunião da Abrafin durante o IV Congresso do FdE - Foto Fora do Eixo

“Não dá para usar a prerrogativa de qualidade, de tamanho e de patrocínio para tentar impor uma reserva de mercado, alegando que essa quantidade não gera qualidade. É óbvio que quando você tem muito mais você vai ter que dividir mais”, prossegue Capilé. É difícil distinguir, aqui, até onde o ideário FdE defende a política social lulista de “redistribuição de renda” e até onde pratica a fórmula (nunca executada até o fim) “dividir o bolo para depois matar a fome do povo” da ditadura civil-militar.

Para Paulo André, a lógica de abraçar todo mundo, sobretudo os festivais menores, não vai à questão de fundo da música (e do mercado) nacional: a formação de público. Para ele, a oferta de eventos muito maior que a demanda desequilibra o circuito independente.

O diretor do Abril Pro Rock usa como exemplo a cena de Recife e diz que, na capital pernambucana, as rádios comerciais não tocam as bandas independentes. Apesar de a prefeitura ter criado uma variedade de programação gratuita em palcos públicos, os espectadores não vão até eles porque desconhecem artistas como Siba, Karina Buhr, Lirinha ou Caçapa. “Calcinha Preta, Garota Safada, Mastruz com Leite, Magníficos, Banda Calypso são bandas de empresários, que pagam as rádios para seus artistas tocarem. É um mercado muito agressivo”, critica, falando de jabaculê sem mencionar o termo.

De outro lado, não há, nos clubes e casas noturnas, um espaço para o músico autoral. Paulo André admite que o Abril Pro Rock estaria sofrendo com essa realidade. “A Mallu Magalhães, que é um fenômeno da internet, já veio umas três vezes ao Recife. Da primeira, bombou por causa do início do namoro com o Marcelo Camello. Mas da última vez não passou de 500 pessoas em seu show.” Em resumo, sob esse ponto de vista fazer circular os artistas já não é o bastante.

A Abrafin, segundo Fabrício, foi fundada com 16 festivais e hoje já passam de 40. Foi criada em 2005 com o compromisso de fortalecer a cena, trocar tecnologias entre festivais e garantir um projeto de longa vida para a música independente. Em sua visão, o “software” do FdE só faz com que esses princípios se fortaleçam. “Hoje, quase todo mundo da rede vive de cultura. Há dez anos, isso era um delírio, ninguém da Abrafin tinha só um emprego. Mas tem coisa do ser humano, de vaidades, de não querer estar do lado”, afirma.

Talles, o atual presidente, aceita o exercício de fazer de conta que estamos em dezembro de 2012 (e não de 2011) e prever o que terá acontecido, até lá, com a Abrafin como a conhecemos hoje. “Estará muito maior, com mais de cem festivais associados, circuitos regionais formados e funcionando, além da pauta política estar bem disseminada entre os coletivos”, tece hipóteses.

Pode ser, como pode ser que daqui a 365 dias existam duas Abrafins, cem Abrafins ou nenhuma Abrafin – futurologia não é a maior das especialidades dos humanos (muito menos dos humanos que somos jornalistas). Por ora, o cenário é confuso e duvidoso para quem está dentro do nevoeiro. O quebra-cabeças se espatifa no chão como trilhões de estilhaços de dúvidas e perguntas.

Exemplos?

Quem de fato está a favor da “escassez”? Quem busca a “abundância”? Escassez e abundância para quem?

Onde se escondem as transparências? Onde se desnudam segredos e jogos de cena?

Quem quer que a cultura, a música, o jornalismo brasileiros – e o Brasil – cresçam e apareçam, quem está com medo de crescer? Onde eu, você, eles, nós estamos sabotando o processo? Onde cada um de nós está se autossabotando?

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3 COMENTÁRIOS

  1. “Subjacente à cisão parece estar o conflito entre dois modos de ver o mundo: um que acredita que música é só música, ou no máximo política cultural de bastidor, e outro que afirma acreditar que a política está em tudo e parece querer escancarar isso publicamente.”

    Só há mesmo dois modos de ver (por que não ouvir…) o mundo?

    Fazer-política-fazendo-Música pode ser mais interessante – para alguns, ou em alguns momentos – do que fazer política se apoiando na Música.

    Sabe aquela velha história sobre o trítono, um som dissonante que deixava a igreja maluca e fez com que ela até o proibisse de soar? Pois é. Música, ela mesma, pode ser também política. Porque a Música é uma forma de conhecimento com algumas particularidades próprias. Ao mesmo tempo em que é prática de mundo e produção de mundo, esteja alguém tocando e/ou ouvindo Música. Música é ideia.

    Acho que o fazer-política-fazendo-Música não está contemplado no “música é só música”, assim como não está na “política cultural de bastidor”.

    Se “a política está em tudo”, como acho que está mesmo, por que não estaria na Música? Música não é SÓ música. Como diz um cara chamado Attali (“Noise: The Political Economy of Music”), música é profecia: a mudança do mundo se inscreveria antes nos códigos musicais, de forma que poderíamos até prever como será o futuro prestando atenção à Música de nosso tempo. É uma ideia interessante.

    O que não se pode negar é que Música é, em si, uma forma (particular, mas não “fechada”) de conhecimento – e conhecimento sobre o mundo. Por que subestimá-la, quando todos dizemos que aqui estamos em função dela?

    Há muitas formas de pensar, e não apenas uma, ou duas. Evitar falsas dicotomias entre Música e Política, entre produtores B e Z, ou entre produtores e músicos, ou entre academia/escola e “estrada da vida” (ou entre mídia/indústria cultural e sociedade). Isso talvez ajudasse mais a música brasileira.

  2. Caro PAS, sua matéria está muito interessante e informativa, parabéns pela cobertura e por ouvir todo o mundo. Só alguns detalhes destoam, a meu ver. Entre o artista=pedreiro e o artista=estrela existe um amplo espectro de artista=tentando ser profissional e viver dignamente do seu trabalho. Existem sim, nos confins do Brasil, pedreiros que trabalham como escravos, recebendo vales que só podem trocar na despensa do patrão; mas via de regra nossa sociedade já entende que é justo eles serem contratados com carteira assinada INSS e FGTS. Enquanto isso, a grande maioria dos músicos brasileiros não atingiu este patamar mínimo de cidadania, e jogá-los na mesma categoria (ou estereótipo) do popstar não ajuda ninguém a entender a realidade.
    Também não entendi quando você pretendeu explicar os supostos 2 modos conflitantes de ver o mundo. Não tenho dúvida de que “música é só música”, assim como política é “só” política, basta ver como são raros os indidíviduos que tem talento para as duas coisas. Mas não consigo imaginar que espécie de música poderia ser “no máximo”, política cultural. Saudações.

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