Lá atrás, em março, a imprensa ficou cega, surda e muda no caso das relações MinC/Ecad. Por quê?

E a batalha continua. No mês passado, em 22 de março para ser mais preciso, escrevi no Ultrapop o texto “Estamos perdidos?” que repercutiam as primeiras denúncias de uma relação muito esquisita, para dizer o mínimo, entre o Ministério da Cultura (gestão Ana de Hollanda) e o famigerado Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição). Em nome de uma pretensa defesa dos direitos autorais de artistas brasileiros contra a malévola internet, o MinC vem assinando embaixo de tudo o que mestre manda (Ecad, gravadoras multinacionais etc.), e quem for contrário é bandido, pirata da perna-de-pau.

Curiosamente (ou não?), a grande imprensa que gosta de denunciar malfeitos do governo federal mesmo quando são notícias plantadas com segundas intenções (vide caso Demóstenes Torres e Carlinhos Cachoeira) se fez de cega, surda e muda nesse caso do MinC/Ecad. E olha que ontem foi o dia que saiu o relatório final da CPI do Ecad, com direito a um pedido de indiciamento de 15 pessoas muito próximas à atual gestão do MinC por apropriação indébita de valores, fraude na realização de auditoria, formação de cartel e enriquecimento ilícito. Como se não bastasse, o relatório também propõe uma grande reforma no sistema de direito autoral brasileiro (atualmente, o quinto pior do mundo) e que a partir de agora a fiscalização seja feita mais duramente pelo Ministério da Justiça.

Se isso vai dar em algum resultado concreto só o tempo dirá, mas em casos assim é sempre bom ficar atento sobre quais interesses estão em jogo. Ontem, por exemplo, a editora Terceiro Nome divulgou no Facebook que todo o conteúdo do DVD que vem junto com o recém-lançado livro Iconografia do Cangaço tinha vazado na internet. São preciosos 14 minutos de imagens de Lampião, Maria Bonita e sua gente filmados em 1937 (algumas delas tinham sido usadas no longa O Baile Perfumado, de 1997, mas quatro minutos desse material são inéditos). O pessoal da editora ficou babando de raiva? Tentaram derrubar o vídeo no YouTube? Nada disso, estavam felizes. Olha o vídeo abaixo (originalmente ele não tem áudio, então é recomendável colocar um som para acompanhar essas imagens históricas).

Agora, me deixa escrever na lousa. O pirata da perna-de-pau que subiu o vídeo não está ganhando dinheiro com isso. A editora não está deixando de vender seu (belo, aliás) livro por causa disso. E todos podem sair ganhando com o fato: o pirata por compartilhar (que é diferente de lucrar) e a editora por ter seu produto divulgado gratuitamente na rede. E olha que o mercado livreiro brasileiro, que também vem se mostrando descontente com o descaso do MinC (olhem esse abaixo-assinado), é um dos que mais sofrem em um país/sociedade que não estimula a leitura. Mas o pessoal da Terceiro Nome adorou a pirataria (e nem mencionei Paulo Coelho, um dos maiores vendedores de livros do mundo, que adora ver seus livros em download). E aí?

Em recente reportagem sobre ensino através de celulares e tablets que assinei na revista Continuum, do Itaú Cultural, o editor Martin Restrepo afirmou que “não é justo que em um mundo em rede tenhamos que aprender com as metodologias de sempre”. Essa declaração pode muito bem ser ampliada para o mundo da cultura, afinal não somos consumidores passivos (nunca fomos na verdade, só nos faltavam os meios) porque também produzimos conteúdo (bom ou ruim, é outra história). O MinC, bem como todas as secretarias municipais e estaduais de Cultura, precisa entender de uma vez por todas que é um disparate defender organizações particulares em detrimento do bem comum em um mundo descentralizado e sem fronteiras. Quem é mesmo o bandido?

(Dafne Sampaio é jornalista. Publicou este texto originalmente no blog Ultrapop, do Yahoo! Brasil.)

Nota do editor (Pedro Alexandre Sanches), aproveitando a deixa do Dafne: ele não chegou a citar no texto, mas há uma biografia de Virgulino Ferreira censurada por via judicial neste exato instante, porque o juiz Aldo de Albuquerque Mello, de Aracaju (SE) decidiu acolher queixa de Expedita Ferreira Nunes, filha de Lampião e Maria Bonita. O livro Lampião – O Mata Sete, do advogado e juiz aposentado Pedro de Morais, está engavetado devido a especulações que faz sobre eventual homossexualidade do cangaceiro. A grande mídia, a atual ministra da Cultura e o Ecad não expressaram desagrado público por mais este pequeno e reiterado atentado à liberdade de expressão. FAROFAFÁ não sabe se o conteúdo do livro proibido vazou para a internet (sabe)?

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