Eram mais ou menos 14h30 do dia 21 de maio de 2011. Eu estava pagando a conta do almoço no Sujinho, rua da Consolação esquina com a rua Maceió. Tinha acabado de forrar o estômago (feijoada com farofafá) para a seguir participar de uma manifestação PACÍFICA pela descriminalização da maconha.

Não sei o que tinha acontecido antes, não sei o que aconteceu depois.

Mas naquela hora, um grupo de, sei lá, não sei contar quantas pessoas descia a Consolação em passeata. Estranhei: a concentração aconteceria no vão livre do Masp, era cedo demais para a marcha da maconha já estar descendo a Consolação. E a passeata vinha rápida demais.

Tudo são flashes na lembrança, mas o público a priori me pareceu diferente do da semana passada, bem ali do lado, na avenida Angélica, o churrascão a favor do metrô na “sofisticada” (e aparentemente pacata) Higienópolis. Parecia ter uma cor mais “roots” a passeata de hoje, não tenho certeza. Mas ela vinha estranhamente depressa, rápida demais.

De slogans de manifestação, só consegui ouvir um, bastante agressivo: “Ei, polícia! Maconha é uma delícia”. “Xi, estão belicosos”, pensei. Mas a explicação foi quase simultânea. A tropa de choque vinha no encalço da turma. Jogando bombas.

Vão falar que eram bombas de efeito moral, bombas que não matam ninguém, bombas que só fazem verter lágrimas amargas, bombas de licor narcótico permitido pela “lei”. Não importa. Tá, sou burguesinho aqui em São Paulo, mas nunca antes na história deste país (e deste Pedro) eu tinha ouvido uma bomba de gás lacrimogênio estourar do meu lado.

O efeito que teve, para mim, foi de uma BOMBA. Uma. Duas. Três. Quatro. Cinco. Seis. Sete. Oito. Depois da primeira bomba explosão que ouvi, lançada na Consolação ainda acima da Maceió, a turma começou a correr. A passeata virou São Silvestre, amarga São Silvestre.

A tropa de choque ultrapassou em um segundo o ponto onde eu estava, eles sabem perfeita e calculadamente dispersar uma multidão, se assim o quiserem. E eu continuei descendo a Consolação a pé. Até chegar na altura da rua Maria Antônia, ouvi no mínimo oito explosões de BOMBA. Tá, de gás para chorar, éter, lança-perfume, loló, droguinha legalizada pelo e para o poder público. Para mim eram BOMBAS. Cheguei a lacrimejar – mas essas lágrimas não foram nada perto das que já me tinham brotado nos olhos (e na esquina da Maceió), assim que comecei a entender o que estava acontecendo.

Do que vi ali, sem saber o antes e o depois, só sei dizer que hoje o estado PSD-demo-peessedebista de São Paulo tacou bomba, cassetete e terror na juventude que supostamente deveria proteger, abrigar e acarinhar. O estado DEM-PSD-PSDB paulista fez para fora o que está fazendo para dentro, na guerra intestina entre José Serra, Geraldo Alckmin e Gilberto Kassab – e o pró-descriminalização das drogas Fernando Henrique Cardoso de patrono, no trono de Jânio Quadros.

Podem ganhar mil eleições de hoje em diante, mas eu acho que hoje eles aplicaram neles próprios a maior derrota de suas vidas.

Lá embaixo, Consolação com Ipiranga, o que parecia haver era o triunfo do estado policial-repressor-TFP-CCC-KKK. Estávamos dispersados. Não sei o que está acontecendo agora no resto da cidade, mas, naquela hora, aquela turma que desceu correndo a Consolação já tinha virado fumaça (sem a intenção besta de fazer trocadilho).

Ainda havia focos de gente reunida, andando, marchando, tocando tambor, meio feito baratas tontas. Maiores eram as fileiras de policiais plantados em frente à igreja da Consolação – bem em frente ao templo, que imagem mais pacata e edificante da Pátria Fardada abraçada em armas e terços à Tradicional Família Religiosa, que gente pacífica, que adoradores de Deus e do Bem, que gente bondosa.

O único, único, único ato de milimétrica valentia que consegui ter foi gritar, ao cruzar com um carro de polícia (havia muitos, MUITOS, e havia até helicóptero vermelho no ar): “Que coisa feia, a polícia…”. Bobo, mas quase nada é mais que nada, né?

Foi só isso que eu vi, o resto completa quem viu o resto.

E este é um site de música, e nada pude falar sobre música nas linhas acima. A única música que tocou em São Paulo no dia de hoje foi a música das BOMBAS. Aplicadas por um estado com apavorante tentação terrorista.

P.S. à revelia de certos grupos religiosos: não, o mundo não se acabou em 21 de maio de 2011. O mundo está apenas começando.

P.S. 2 (adicionado posteriormente): Os artistas de rua são outro grupo que o poder público paulistano – Gilberto Kassab – quer erradicar das ruas, que são o local de trabalho deles.

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Editor de FAROFAFÁ, jornalista e crítico musical desde 1995, autor de "Tropicalismo - Decadência Bonita do Samba" (Boitempo, 2000) e "Como Dois e Dois São Cinco - Roberto Carlos (& Erasmo & Wanderléa)" (Boitempo, 2004)

9 COMENTÁRIOS

  1. Muito bom ler isso, muito triste o que aconteceu e pior ainda é saber que parte da população foi também na internet apoiar a repressão em diversos blogs e sites. Eu estava lá e foi muito duro ver as bombas e os tiros… Doeu na alma de um brasileiro… Um dia quem sabe isso mude…

  2. Pois este governo usou violência também (além dos citados artistas) contra a classe mais importante de um país, os professores… o que esperar deles numa marcha com este propósito.

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