não teve filhos, não teve plantas, não teve animais de estimação.
dizia de si mesmo que viveu tantas décadas bem vividas quanto quis.
morou em paris em roma no alto de pinheiros.
não enfrentou chefes, não desafiou hierarquias, não apartou briga, não começou briga, não tirou nunca menos do que 10 nas bancas da USP.
fumou charuto, tomou taitinger, comeu em bistrô toda a vida.
não pensava em política, deixava que o editorial dos jornais guiasse suas escolhas.
sempre achou patéticos meninos com chinelo de dedo e bolsa de couro procurando mudar o mundo em passeatas.
chegou a ganhar bom dinheiro em uma grande revista escrevendo artigos sobre o seu desprezo por esses personagens.
nunca disse eu te amo, nunca ouviu eu te amo, nunca fez carinho na namorada quando ela tava chorando porque molharia o suéter.
não gostava de música não gostava de desenho de criança.
ouviu tortura lá no fundo quando foi à delegacia fazer BO do sumiço de um carro, mas logo que saiu da delegacia foi tomar um café nos cafés suplicy.
viu um assassinato na rua 13 de maio mas negou que tivesse visto para não fazer o reconhecimento do assassino.
quando ligaram do hospital pedindo para saber se cremavam ou enterravam a senhora sua mãe, disse que era engano e desligou.

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Jotabê Medeiros, paraibano de Sumé, é repórter de jornalismo cultural desde 1986 e escritor, autor de Belchior - Apenas um Rapaz Latino-Americano (Todavia, 2017), Raul Seixas - Não diga que a canção está perdida (Todavia, 2019) e Roberto Carlos - Por isso essa voz tamanha (Todavia, 2021)

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