DARREN & BEATRICE

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darren e beatrice em miami, na quinta-feira passada

Darren Hoggard tem 49 anos e mora em Jamaica Heights, um subúrbio de Nova York.
Em setembro de 1980, começou a trabalhar como carregador de malas no aeroporto JFK, onde está até hoje.
“Mas, antes mesmo de trabalhar lá, eu já gostava daqueles murais acima dos portões de embarque. Meu pai costumava me levar lá para passear, é perto de onde a gente mora, e eu fiquei encantado com eles desde a primeira vez que os vi”.
Foi por causa desse painel que Darren começou a gostar de arte.
“Passei a frequentar museus de Nova York, como o MoMA e o Museu de História Natural”, lembra.
Em meados do ano passado, Darren ouviu de administradores do aeroporto que o terminal onde trabalha iria ser demolido.
Ouviu mais: tudo iria abaixo em um mês, aproximadamente.
Darren ficou agoniado. “Quase chorei”, contou.
Gostava demais dos murais.
Até que um dia viu uma turista contemplando os trabalhos.
Ela era bem apanhada, uma senhora muito distinta, magra e elegante.
Perguntou se ela sabia quem os tinha feito.
“Claro que sei. Eu o conheci muito bem, era meu amigo. Foi um brasileiro chamado Carybé”, disse Beatrice Esteve.
“A senhora sabia que eles serão destruídos em um mês?”.
Beatrice ficou escandalizada. E revoltada.
Carybé, filho de Oxóssi, orixá também de Dorival Caymmi e Jorge Amado, não ficaria satisfeito com isso.
Por uma série monumental de coincidências, Beatrice era amiga de um poderoso da construtora Odebrecht em Salvador, que tinha sido grande amigo de Carybé.
Foi procurar Gilberto Sá em seu casarão do século 18.
Gilberto, que também é presidente da Fundação Pierre Verger, ouviu tudo e disse:
“Por coincidência (no candomblé, tem gente que acha que não é coincidência), nossa construtora está construindo um novo terminal no aeroporto de Miami. Vamos ver o que conseguimos”.
A companhia aérea que era dona do painel complicou um pouco as coisas (parecia preferir implodir a obra de Carybé do que tentar salvá-la da demolição – muito trabalho).
Beatrice procurou o superintendente da American Airlines e passou-lhe um sabão:
“Eu fui pelo caminho da persuasão com a única linguagem que eles conhecem: a do dinheiro. Eu disse a ele: mas o senhor não se envergonha de jogar fora uma obra que vale milhões de dólares?”
A companhia resolveu colaborar, e então um time de restauradores entrou em campo. Cortou os painéis (juntos, eles são do tamanho de uma quadra de futebol de salão) em 12 pedaços e iniciou o processo de transporte e reinstalação no aeroporto de Miami.
O cara que administra o aeroporto, o cubano-americano José Abreu, um dândi de terno Armani com lenço florido no bolso, ficou babando com a chance (eles têm mesmo, por obrigação legal, de instalar obras de artes em obras públicas).
Na sexta-feira, finalmente, encontrei Darren em Miami.
O cara é uma figuraça.
“Nova York tem muitos artistas, como Andy Warhol e Basquiat. Mas Andy Warhol não se compara a Carybé”, me disse.
“Gosto das ornamentações dos painéis, das figuras, daquela coisa da chegada ao Oeste, da vitalidade daqueles murais. Me disseram que aqui em Miami eles ficaram ainda mais bonitos. Estou até meio nervoso”.
Darren Hoggard é humilde, mas não é subserviente: vai à luta.
É um homem do povo cuja sensibilidade o levou a salvar a maior e mais portentosa obra de arte pública de um brasileiro (Carybé era argentino de nascença, mas era baiano por escolha, o que é mais importante).
Teria sido tudo isso uma trama de Oxóssi?

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