por causa de ouvir o disco novo do bob dylan, “together through life”, eu fico pensando nas vozes.

se a gente deixar de banda aquele nhenhenhém de que “o dylan não é mais aquele”, ou coisa que o valha, pode ser tão bonito – é tão bonito – ouvir as vozes envelhecendo.

a do bob dylan é aquela que cospe na cara da gente todo o desconforto que vem de dentro do cantor. voz de raspador de queijo. voz de quando a gente, menino, se esfola inteiro naqueles muros cheios de ranhura. raspa de tacho, pá no cascalho.

também parece voz de cigarro – e essa modalidade está longe de ser privilégio do dylan.

a gente quase sente o cheiro da fumaça quando ouve a marianne faithfull. pega ela mocinha cantando “as tears go by”, e pega ela agora, cantando “nobody’s fault”, do beck, ou “before the poison”, da pj harvey (e dela própria). culpa de ninguém, depois do veneno, parece que a chaminé de um trem entrou no eu dela. bonito de rasgar o coração.

outra é a deborah harry. eu só fui perceber que a voz dela ficou velha de cigarro (ou de sei lá o quê) nesse último disco solo, “necessary evil”, mal necessário. virou voz de megera de desenho animado. justo ela, que tinha voz de heroína, de sexo explícito, de lovevoxxx.

idem para a da tracy chapman. de repente, no (maravilhoso) “our bright future”, eu levo o susto de escutar a voz de uma senhora, aquela mocinha carrancuda de quando eu tinha 20 anos. mas que baita senhora, nosso brilhante futuro, a balada funksoul “a theory” é mais profunda (e bonita) que dez tracys cantando “baby can i hold you tonight”.

falar da chapman me remete instantaneamente a milton nascimento, e a voz dele parece desgastadinha de tudo nesse disco de jazz com os irmãos belmondo (saiu lá fora faz dois anos, só agora a biscoito fino “importou”; quer dizer, o rapidshare já tinha importado, mas…). mas o que ganha de desgaste a voz dele ganha também em interpretação, em musgo colhido lá das profundezas. a “nova” “nada será como antes” é um colosso, e nada será como antes, tudo que você queria ser…

aí há os tropicalistas, e a maria bethânia, e a maria alcina, e o ney matogrosso, esses parecem domadores de vozes para sempre novas em folha. deve estar inscrito nos genes tropicalistas, e na hereditariedade.

se bem que gilberto gil, extra-exceção, perdeu grande parte da sua. criou calo justamente ali, na corda da voz, no instrumento de trabalho, na porta principal de seu encontro com o resto do mundo. tropicalista antitropicalista, ele. dizem que suicida da própria voz (porque teria usado e abusado do falsete – talvez não seja muito, er, adequado um homem cantando assim que nem mulher, não é mesmo?). que seja, com o fiapo que tem fez “não tenho medo da morte” (mas de morrer, sim), mais profunda (e bonita) que duzentos palcos e trezentos realces.

e o chico buarque? em 1981 cantava “a voz do dono e o dono da voz”, para protestar simbolicamente contra o patrão, contra a patroa, a gravadora multinacional? nunca cantou tim maia nem toni tornado, mas hoje em dia parece o homem mais frágil deste mundo quando canta (quando escreve também, mas isso já não é assunto de corda vocal).

a gal costa eu nem sei definir, as músicas que tem cantado, entre outros detalhes, deixam escondidas lá embaixo a voz mais sedutora destes pântanos.

erasmo carlos? quando era criança e não entendia nada, tinha voz de menino. hoje, quando é um homem e entende tudo, tem voz de um… menino. tropicalista.

jorge ben? rouco, rouco, rouco. como se usasse óculos escuros na garganta.

epa, já percebi que posso passar o feriado inteiro aqui se continuar brincando em cima disto. então paro por aqui, por agora.

antes, só uma conclusão, de mim pra mim mesmo: eu não consigo pensar em outra justificativa possível para o fato de a gente não (vou usar uma palavra bem, er, “jovem”, bem da moda, bem facebook) curtir as vozes curtidas dos “velhos”, a não ser o medo que a gente sente da nossa própria velhice. de quando outros jovens estarão desprezando o que a gente vier cantar, calar, falar ou fazer.

(p.s.: não sei ao certo do que se trata, mas parece que a voz de dilma roussef se faz ouvir na “carta capital” deste fim-de-semana, número 544. pago pra ver. e, a propósito, essa mesma edição traz uma reportagem minha sobre o Clube de Regatas Tietê – ?????????????)

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