procurou desesperadamente por um caminhão de guinness, corsendonk, spitfire ou waterloo e não achou, claro.
aí foi descendo as expectativas: podia ser stella artois, eisenbahn ou até mesmo bohemia.
no way.
uma gota quente de suor desceu por sua testa.
passou em frente a uma peixaria e os funcionários quebravam gelo para refrigerar o peixe. lembrou da propaganda da outra cerveja, aquela onda congelante que deixa até a mão do sujeito com estalactite.
foi então que viu o caminhão amarelo cheio de círculos com setas na ponta. os caras tavam desembarcando uns engradados num restaurante self-service.
pensou: seja no show do iron maiden ou no saguão do credicard hall, os caras têm a manha de vender uma latinha dessa porcaria por R$ 5. ou seja: talvez seja um bom negócio.
desempregado há meses, não pensou que o amarelão do veículo podia ser avistado até de um avião sobrevoando cumbica, quanto mais do helicóptero da polícia.
pior: não pensou nem sequer na impossibilidade de dirigir aquilo, já que não sabia dirigir nem bicicleta.
enquanto o motorista tava distraído no caixa do restaurante, ele entrou no bichão, viu que a chave tava no contato, ligou e arrancou com um tranco seco, e o treco balançava mais do que lotação clandestina em salvador.
não ouviu nada da gritaria que se seguiu à arrancada do caminhão.
entrou na avenida interlagos e viu uma plaqueta no posto da esquina: “temos banheiros limpos”.
não conseguiu andar mais do que 500 metros, porque o trânsito tava horrível: de vez em quando, enganchava alguma coisa na roda do bichão – uma hora era um Palio, outra hora era um Gol, outra era um Fox. Um Ford Ka foi arrastado por uns 300 metros, empurrando um Fiat 147 fumacento para a calçada. Sentiu um estranho prazer ao esmagar uma Mercedes conversível, mas aí o caminhão estancou com um espirro seco. Lembrou da propaganda da cerveja que dá resfriado nas pessoas, e mesmo assim elas riem.
Da boléia do caminhão, dava para ver até o calibre das armas apontadas para ele lá embaixo no asfalto. Pensou: se tivesse mais alguns minutos, podia ter ligado do orelhão para o primo Edson, que vive de catar latinha de alumínio. A avenida Interlagos estava coalhada de latinha estourada.

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Jotabê Medeiros, paraibano de Sumé, é repórter de jornalismo cultural desde 1986 e escritor, autor de Belchior - Apenas um Rapaz Latino-Americano (Todavia, 2017), Raul Seixas - Não diga que a canção está perdida (Todavia, 2019) e Roberto Carlos - Por isso essa voz tamanha (Todavia, 2021)

3 COMENTÁRIOS

  1. Prezado, é formidável teu relado por sobre o ocorrido com o pobre gatuno desabilitado.

    Os leitores agradecemos. O blog: trata-se dum espaço muito bom de se visitar.

    (Ouvi muito falar de ti via mestre Tognolli, meu professor até há alguns poucos anos.)

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