Simpatizo instantaneamente com quem comete erros crassos de português.
O taxista em Cuiabá diz que o “fruxo” do trânsito piorou muito nos últimos anos na cidade.
A moça na periferia de São Paulo explica que a construção foi feita toda de “broco” porque de tijolo sairia muito caro.
Gosto mais ainda daquele inglês reprocessado pela sabedoria popular nacional: a comida serve serve (self service), o levetope (laptop). Muito bom o sanduíche de X-Égui do quiosque lá no meu bairro.
E tudo tem uma espécie de lógica. Parece uma reação espontânea, e tranqüila, à jequice dos anglicismos e estrangeirismos.
Uma amiga se dedica a criar subversões da língua. É dela a autoria de “espermeabilizar a laje” do barraco. “Era uma rua muito arvorizada”, ela me diz. “Depois dos fogos de orifício, comemos macarrão ao suco e tomamos muito mornaço na praia”.
Meu sobrinho me contou outro dia que, quando era garotinho, ele e os amigos ouviam aquela música do Billy Idol, Eyes without a Face, e entendiam assim: “Ajudar o Peixe”. E era assim que cantavam. Maravilhoso!
Outro amigo outro dia me delicia com a seguinte história: ele ligou para o cunhado para contar que vão, ele e a mulher, ter um filho. O cunhado então recomendou alguns cuidados que ele deveria tomar com o “líquido midiático”.
No blog de uma colega, que escreve da Austrália, ela descreve um evento terrível ao cabo do qual “varias pessoas foram linxadas e esfaquiadas.” Está lá, não é brincadeira.
Sinto como se fosse o erro crasso de português o responsável por desmascarar um tipo de teatro social que encenamos cotidianamente. O floreio picareta; o apelo ao palavreado empostado, palavras que às vezes nem dominamos o sentido completamente; a profusão de eufemismos usados com certa covardia.
O erro talvez humanize, libere, lembre a gente da nossa comezinha condição. É como no futebol, quando enfiamos o pé num adversário que nos provocou, e sentimos que nunca deixamos de ser o moleque de cabeça quente.
A mãe dele era uma santa, mas o filho da puta mereceu o pontapé.

(publicado originalmente no blog antigo em janeiro de 2007)

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Jotabê Medeiros, paraibano de Sumé, é repórter de jornalismo cultural desde 1986 e escritor, autor de Belchior - Apenas um Rapaz Latino-Americano (Todavia, 2017), Raul Seixas - Não diga que a canção está perdida (Todavia, 2019) e Roberto Carlos - Por isso essa voz tamanha (Todavia, 2021)

9 COMENTÁRIOS

  1. Minha irmã dentista diz que o povo no consultório pede para ela “distrair” o dente. Meu marido arquiteto sempre escuta: Essa parede tem problema de “humildade”, ou então “uso campeão da terra”. Sem falar na “betornera” da obra…
    Bjs, Jeibi.

  2. Pois as vezes o erro nao eh nem tao erro assim: essa coisa de dizer “fr ao inves de “fl” e de portugues antigo [ex: “frecha” ao inves de “flecha” – se encontra em Goncalves Dias, por exemplo].
    Achei um barato quando, em visita ao zoologico, ouvi um sujeito explicar ao seu amigo que o rinoceronte estava em “instinçao” porque era muito “debatido”.

  3. Gallo, quase morro de rir com o “distrair” o dente. Camilinha diz que vai contar essa pra irmã dela que é dentista.
    Hehehehehehehehehehehehe.
    Hey, que cachorro lindo!
    Está melhor do que nunca esse cãozinho!!!
    hehehehehehehehehehehehehehehehehehehehehehehehehehehehehe

  4. O porteiro da minha casa, quando pedimos pizza, sempre faz a gentileza de colocar no elevador.. facilita.. ele interfona e avisa:”dona, vou ponhá a pizza no elevador, tá?”. Acho ótimo! Sem contar os clássicos.. tauba, estáuta, gaufo, bróqui, estômigo, estrombo, figo.. e por aí vai…

  5. Uma vez no consultório, quando trabalhava no interior de Minas, uma senhora queria porque queria fazer uma “pornografia computadorizada” da cabeça. Fiquei parado esperando algum sinal de que era piada…mas ela completou dizendo: ” …ainda tentei fazer na cidade vizinha, mas a democracia lá é muito grande!”

  6. É o Sebastião, Jeibi. Mas ultimamente ele tem perdido espaço em casa. Estou ligeiramente grávida e a Lorena deve chegar no carnaval… Nada como respirar novos ares! Bjs pra vc e pra sua vizinha Camilinha!

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