marcos arcoverde/AE

favelost tem quatro histórias, um ambiente com três núcleos.
o primeiro é formado por uns garotos bilionários, que têm a arrogância de ter um twitter só entre eles, porque são a elite da elite da Terra, ou seja, têm mais de 30 bilhões na conta, portanto “o resto é merda”. então, os caras são completamente fanáticos, têm comunidades e curtem séries, especialmente TV, especialmente Lost. Então o J.J. Abrams, o camarada que bolou Lost, tem a idéia de fazer um filme tipo saga, tipo Indiana Jones, Guerra nas Estrelas, com três partes, que vai se passar numa favela, mas uma favela contaminada, maldita. Aí os caras bilionários acabam surtando, piram, e vão atrás dos atores, vamos aprontar? vamos aprontar? Pegam os atores, dopam, são bilionários, e os trazem para o Vale do Paraíba, ali na Via Dutra.
“Ah, é, vamos jogar então os atores num lugar faveludo de verdade, à vera”. E jogam nesse lugar, e espalham 10, 12 atores, em vários pontos. Por quê? Porque São Paulo e Rio de Janeiro finalmente formaram uma grande mancha urbana, ressuscitando de forma gloriosa o Vale do Paraíba, às margens da Via Dutra. E essa mancha acontece de forma tão violenta que você não tem mais Taubaté, Pindamonhangaba, Volta Redonda, todas essas cidades se tornam localidades dentro da mancha urbana. Não há mais municípios, foram engolidos por essa avalanche de gente, viraram espécies de bairros dentro da mancha urbana.
Aí, a notícia dos atores de Lost jogados na superfavela se espalha e o nome acaba pegando. E toda aquela mancha acaba sendo apelidada de Favelost.

Outro núcleo: existe um projeto numa região – já que todo tipo de empresa, todo tipo de indústria oficial, não oficial, foi usando aqueles artificios jurídicos para religião, para não ter os impostos cobrados, você sabe que quem funda uma religião não tem imposto, que é um oásis tributário? -, uma região em que trucagens jurídicas fizeram com que várias empresas se aliassem a máfias, tudo que você possa imaginar de oficial tem associações, é um momento em que a Embrapa se une à Yakuza, a Unicamp pode finalmente deixar seu Departamento Underground à solta, a Fiocruz se une a tríades chinesas, todos podem colaborar. Então se transforma também numa região de capitalismo exacerbado, milhões de pessoas se dirigem para essa região. E, no centro desse núcleo, você tem empresas que precisam de cobaias humanas. E, nesse lugar, o que há de interessante é que se ganha muita grana e quem vai para lá fica mandando dinheiro para fora, porque, ali, os mandamentos do supercapitalismo são bem introjetados, e acontecem de forma violenta. Ou seja: nada de apego, de criar raízes, você não tem mais aquela famosa história de vida, com família, núcleos de amizades, lazer, trabalho, uma profissão apenas, não. Aquele estudo constante, reciclagem o tempo todo, trocas de profissões. Hoje é espalhado, lá é concentrado: nada dura mais de três meses, nem empregos, nem produtos, e também pessoas não duram mais de três meses, especialmente pessoas que são quimeras. Mas numa boa, porque mandam dinheiro para suas famílias. Então você pode chamar aquilo de Serra Pelada, de Caixa de Pandora, de Arca de Noé, que vai traduzir bem o que acontece em Favelost.

E há quatro empresas muito tops e famosas que são centroavantes do futuro, com nomes engraçados, que têm a ver com Engenharia Molecular, Neurociência, genética. Elas são quem manda, digamos assim. Tem a Bioser, que tem como lema uma humanidade gostosona. Tem a Robonança, robôs que se autoprojetam, etc. Neurotaurus, para aperfeiçoamento dos gatilhos cerebrais, e por aí vai.

E o quarto núcleo é um casal. O nome dele é Júpiter Alighieri e o nome dela é Eminência Paula. O que acontece é que tem a historinha dos dois. Ele é do Rio de Janeiro ela é de São Paulo, para brincar de novo com essa pororoca urbana.
Ele se assinava Bruce Lido na juventude, porque vivia no hedonismo de pancadaria & sexo em Copacabana, namorava uma garota que chamava de Gostosona 51, porque ela tinha 51 anos, e ele tinha 22. Os dois se enamoraram, tinham uma parceria bacana, mas acontece que ela foi assassinada, esquartejada, negócio terrível, pedaços do corpo espalhados pelo apartamento, e o cara, o Bruce Lido, vira uma espécie de buraco negro de amarguro, e passa a assumir a assinatura de Batman de Dostoiévski, porque ele achava que Doistoiévski escreveria muito bem as histórias de Batman, por causa da amargura e da semelhança com Notas do Subterrâneo, e entra para uma seita policial de matadores vingativos e ficou 10 anos nesse negócio, enchendo a cara e comendo garotas que lembravam a tal da mulher 51, misantropia, assim como tem o Rio 40 Graus, tem o Sombrio 40 Graus.
Depois de algum tempo, ele tá cansado, quase morrendo de tanto beber, ele está saciado, e ele encontra um anúncio de uma firma chamada Intensidade Vital, uma espécie de Legião Estrangeira. Não está com saco para mais nada, mas para se foder também não está. Quer ficar meio indiferente, mas na boa. Aí ele parte para esse lugar que oferece, onde a maioria das pessoas vive num sedentarismo emocional, sonhando e invejando os slogans de viver intensamente. “Nós temos um catálogo de vivências intensas e oferecemos para você que está sofrendo de implicância geral com o mundo, etc etc”. E realmente é um treinamento, desde cuidar de doentes terríveis, coisa de baixar tua bola mesmo, até treinamentos militares, frequentar laboratórios científicos, participar de casamentos Big Brothers, fazer filho e depois abandonar. Então, todo um show de vertigens forja o cara, como se fosse um monge da atualidade. E ele descobre que todo esse treinamento está vinculado aos projetos das empresas de Favelost, que precisam de pessoas, capatazes de humanistas, capazes de segurar a onda do povo que vai para lá trabalhar e viver de forma alucinante esse tal gueto de capitalismo exacerbado. Então, na verdade é uma espécie de treinamento para virar um soldado universal de apoio.”

essa é a sinopse do novo livro inédito de fausto fawcett, favelost, escrito há uns três anos, e contada pelo próprio numa mesa do jobi, no leblon. confesso que fiquei grogue com o bombardeio verbal. este livro e os três anteriores de fausto (santa clara poltergeist, básico instinto, copacabana lua nova) serão lançados em março pela editora papagaio, que já relançou a obra completa de josé agrippino de paula.

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Jotabê Medeiros, paraibano de Sumé, é repórter de jornalismo cultural desde 1986 e escritor, autor de Belchior - Apenas um Rapaz Latino-Americano (Todavia, 2017), Raul Seixas - Não diga que a canção está perdida (Todavia, 2019) e Roberto Carlos - Por isso essa voz tamanha (Todavia, 2021)

6 COMENTÁRIOS

  1. Oi, Jotabê!
    Parabéns pela sagacidade, sensibilidade e bom gosto em publicar uma matéria com o super querido e talentoso Fausto!
    E também por seu sempre agradável estilo…
    Valeu, menino!!!
    Beijos 'paratienses' da sua fã carioca,
    Marilia van Boekel Cheola

  2. Pero isso ainda tem jeito, caro Pájaro: no próximo encuentro,en marzo, quando seguro rolará new interview sobre os (re)lançamentos dos livros de nosso genial amigo, cierto, cumpadrito?

  3. Salve Jotabê, arauto da grande notícia do relançamento dos livros do Fausto e do ansiado lançamento de Favelost. Sou fã, seguidor e discípulo de Fausto Fawcett, grande e generoso gênio que me deu a honra e o privilégio de ter meu primeiro livro prefaciado por ele. Queria te mandar um exemplar, pode ser?
    Um trecho do texto do Fausto tá no http://www.livrocafeina.blogspot.com e meu e-mail é [email protected]. Manda o endereço que te mando o livro, abraço.

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