Quase todos os dias, um jornal qualquer, fazendo-se de paladino da gramática, insere uma acusação contra tal inspetor de polícia, ou tal fiscal da municipalidade, ou tal empregado de obras públicas, acusando-os do alto crime de violação das regras gramaticais em ofícios, ou editais, ou guias. A acusação é justa, mas fútil também. A nossa imprensa parece estar atacada de gramaticalismo agudo, que é uma das moléstias intelectuais do século, admiravelmente estudadas por Pompeyo Gener nas Literaturas malsanas – excelente compêndio de patologia literária, impresso no ano passado. Mal de mim! o grande vício da instituição policial, para mim, como para todos os cidadãos da atribulada Sebastianópolis – não é a sua falta de ortografia: é a sua falta de zelo. Pouco me importaria que fosse violada em ofícios a gramática portuguesa, contanto que livre de uma violação menos platônica estivesse a minha casa. O que se requer de um bom delegado zelador da ordem pública não é a fulguração de estilo, nem ostentação de peregrinas construções sintáticas – é sim, olho vivo! é energia! é atividade! é compreensão nítida do seu dever! Quem me dera a mim uma polícia radicalmente e absolutamente analfabeta! Não sabendo ler nem escrever, os Argos da rua do Lavradia e das estações urbanas e suburbanas não perderiam tempo em redigir ofícios retóricos e cartas de namoro, nem em ler Gaboriau e Paulo de Kock, e poderiam assim mais assiduamente vigiar os passos dos gatunos e mais eficazmente salvaguardar as barrigas cariocas do furor dos assassinos. Não o entendem assim os jornais. E eis que, qualquer dia, exigirão, para o cargo de polícia secreta, habilitações em línguas mortas e vivas, literatura nacional e estrangeira e ciências naturais.
OLAVO BILAC, na Gazeta de Notícias, 27 de abril de 1896
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sensacional
em são luís acontece o contrário: em vez dos jornais exigirem zelo, eles mesmos cometem os descalabros gramaticais. abraço!