segue um apanhado de textos publicados recentemente na “carta capital”, para fazer um liquidificado desses temas todos aí, “da atualidade”.

primeiro, dois da edição 471 (21 de novembro de 2007), o segundo “quase” rebobinado do tópico retrasado, mas o primeiro “quase” inédito, e um daqueles com os quais a gente se envolve bastante intensamente para produzir.

a segur, um da 470 (14 de novembro de 2007), fruto de uma entrevista no mesmo dia da coletiva da sra. yoko ono, um dia que me pareceu assim “quase” lost in translation (mas acho que não foi, não).

por fim, um da 469 (7 de novembro de 2007), “quase” redundante com o que já andou rolando por aqui, mas quiçá útil para algum exercício de antes-e-depois, a quem interessar possa.

1
Lost in translation
Equívocos e ruídos no passeio de Yoko Ono

POR PEDRO ALEXANDRE SANCHES

“Ela está aqui, a Yoko?”, pergunta uma senhora ao segurança. Outra senhora, que acompanha a primeira, inverte o eixo para repetir quase a mesma pergunta: “A Yoko, onde é que está?”. Nestes dias, Yoko Ono está em todos os lugares. Esparrama-se pelos vários andares do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), no centro histórico de São Paulo, na inauguração da mostra Yoko Ono – Uma Retrospectiva, no sábado 10.

Yoko está no Brasil por uma semana. Nesse dia, ela circula ladeada por seguranças e se mistura às próprias obras e à multidão que também se espalha por cinco andares (lotados) do CCBB. Uma revoada de fotógrafos a persegue sem trégua, num pelotão que irmana profissionais dos veículos ditos mais “sérios” aos mais “fofoqueiros”.

No térreo, um grupo de adolescentes entra em estado de comoção quando Yoko faz a primeira aparição e acena da sacada interna do mezanino. A menina pré-adolescente se banha em pranto e grita “eu vi a Yoko!”, mais para si que para os colegas. O corpo do garoto de uns 16 anos treme enquanto ele estende para o alto um velho disco de vinil. Na capa, aparecem a artista japonesa que viveu Hiroshima e Nagasaki de dentro do país natal e seu famoso ex-marido britânico (você sabe quem, não é preciso declinar o nome), assassinado por um fã na entrada do Dakota Building, em Nova York, em 1980.

Como cantora, compositora ou artista plástica, Yoko é pouquíssimo conhecida e assimilada no Brasil, como atesta até o curador que intermediou a vinda da retrospectiva, Emilio Kalil: “Confesso que aprendi a gostar dela agora. Na primeira vez que a encontrei, morri de medo, achei que vinha um dragão pela frente. Mas descobri uma pessoa deliciosa de quem eu nem tinha idéia”.

As manifestações de idolatria soam surpreendentes, diante da constatação de que Yoko é a mulher que boa parte do mundo ama odiar. O processo começou no final dos anos 60, quando o senso comum a apontou como bode expiatório da separação do conjunto de rock do ex-marido, provavelmente o mais famoso do mundo (tampouco se faz necessário explicitar o nome). Em guerra permanente com esse tipo de opinião pública, Yoko lançou neste ano um disco chamado Yes I’m a Witch, ou, em português, Sim, Eu Sou uma Bruxa.

Em São Paulo, a fricção se estabelece no primeiro contato com jornalistas de tevês, jornais, revistas e sites, numa entrevista coletiva armada na manhã da quarta-feira 7. Tenso, o encontro produz momentos em que todos parecem lost in translation, ou melhor, perdidos na tradução. Após uma resposta sobre a imigração japonesa ao Brasil, Yoko duvida do tradutor e pergunta em voz alta se ele foi fiel a suas palavras, pois se trata de uma “questão delicada”.

Um repórter travestido de fã (ou vice-versa) exibe elogios e capas de LPs dela e do ex-marido, talvez na esperança de ganhar um autógrafo. Aparentemente experiente, o tradutor se embaralha quando alguém quer saber se a obra do “prego” veio ao Brasil. Ele entende “prédio” em vez de “prego”, e Yoko faz cara de espanto pela pergunta sobre se trouxe o “building” a São Paulo.

Outra pergunta mistura a vida privada dos colegas dos anos 60 e o fato de Yoko ser uma eterna “perseguida pela mídia”. Ela se fecha. Poucos minutos depois, encerra rispidamente a sessão, em mais um round da relação conflituosa com o olho público. “Yoko vive permanentemente cercada de uma tietagem agressiva, e se sentiu um pouco atacada pelos fotógrafos, que estavam muito invasivos”, justifica Kalil.

Flagrantes lost in translation ecoam na quinta-feira 8, quando o palco nobre do Teatro Municipal abriga Uma Noite com Yoko, para uma amostra expressiva da comunidade cultural local, de artistas plásticos como Tomie Ohtake a roqueiros como Supla. Yoko engalfinha-se com uma cadeira, imita ruídos de vômito, rasteja dentro de um saco, geme. Alguns saem indignados, outros pedem bis como se performance fosse show de rock.

Convidado a participar da performance, Osvaldinho da Cuíca, do histórico grupo paulista Demônios da Garoa, expõe uma aproximação receosa. “Confesso que no primeiro ensaio não gostei, não. Falei ‘pô, em que fria eu entrei'”, diz, depois de contar que costuma ser chamado por artistas internacionais, “quando querem uma coisa autêntica, de terreiro”. “Quando viu a batucada, ela falou logo que não era isso que queria.”

Osvaldinho conta que chegou pronto para tocar na cuíca algo do imaginário do ex-marido de Yoko, talvez Ob-la-di Ob-la-da, quem sabe Imagine. “Fiquei decepcionado comigo, porque pensei que ia arrebentar. Mas os empresários disseram que não queriam nem que tocasse no nome da banda.”

Na hora H, Yoko imita a cuíca com a voz e acaba por se jogar, aos 74 anos, à batucada do samba. E Osvaldinho se emociona ao falar do abraço e do beijo recebidos da quase sempre contida artista ao final da apresentação.

Curiosamente, é no contato com um público heterogêneo, na inauguração da mostra, que o efeito lost in translation parece começar a ceder. Ali a “bruxa” e o “dragão” dão lugar a um outro signo, da artista plástica demolidora de fronteiras e de dogmas, em ação desde meados dos anos 50, inicialmente com a arte conceitual do grupo Fluxus.

Kalil tenta traduzir o ponto de vista que Yoko traz ao Brasil: “Se não queremos ter medo de falar do assunto, ela é das poucas artistas que mexem hoje com sentimento, com paz e amor. Ela ainda acredita e pratica isso o tempo todo, às vezes de modo até irritante”.

O ideário hippie parece mesmo presente, mas não é só ele. Com a mostra em cartaz até fevereiro próximo, o CCBB está invadido pelo discurso feminista, étnico, sociopolítico de Yoko. As Blood Series reúnem objetos banais do dia-a-dia, mas manchados de sangue, e entre eles há um chamado Sacola com Bebê. Árvores verdes brotam das tampas de um aglomerado de caixões de madeira, sob a inscrição de que “os porões do inferno são apenas um jogo de luz”. Numa instalação em que os espectadores são convidados a rabiscar memórias sobre suas mães na parede, alguém inscreve uma máxima dos Racionais MC’s, “vida loca”.

Uma escultura exibe quatro personagens negros nus sentados num banco de bronze, sob o título Espécies em Extinção. Durante a vernissage, o espaço é interditado (“ela está aqui, a Yoko?”, suplica a senhora do lado de fora do cordão de isolamento) para que Yoko passeie pelo ambiente. Ono se deixa fotografar sentada no banco, entre as “espécies em extinção”.

O garoto que antes tremia consegue chegar até ela e chora copiosamente. Yoko cede ao assédio e chora também. Como muitos dos presentes, o adolescente veio em busca da figura pop remanescente dos heróicos anos 60, mas no caminho se encontrou com arte interativa, metáforas sobre estupro, raios de sol feitos de cordas, objetos de sangue, espécies em extinção.

2
A TRAGÉDIA DE JIMI

A autora de A Dramática História de uma Lenda do Rock (Zahar, 348 págs., R$ 40) até ameaça traçar um retrato glamouroso e deslumbrado de Jimi Hendrix, mas a leitura da biografia demonstra que, pela figura em questão, a tarefa não é simples assim. A jornalista Sharon Lawrence relata os acontecimentos de dentro, pois foi próxima de Hendrix durante os efêmeros anos de fama como astro do rock, entre 1967 e 1970. Detalhes terríveis não param de sair do baú, mesmo que ela os tente suavizar.

Egresso de uma infância de abandono, Hendrix rodopia para as entranhas da indústria cultural, entre produtores musicais mafiosos, contas em paraísos fiscais e contato contínuo com um séqüito de fãs e fornecedores de drogas. Sharon o retrata invariavelmente como vítima indefesa de um círculo voraz de aproveitadores, numa distinção que não chega a ser de todo convincente (e faz o leitor se perguntar se ela própria não seria mais uma integrante do séqüito macabro). Fica a cargo do leitor eleger o que é mais ou menos plausível na imagem maniqueísta de showbizz composta pela narrativa.

De todo modo, fica demonstrado que Hendrix pagou drasticamente pelo clichê. Morreu aos 27 anos, sem que ninguém o socorresse, após a ingestão de uma grande quantidade de barbitúricos. Segundo Sharon, menos de dois meses antes o pai do artista o havia pressionado a providenciar um testamento e incluí-lo como beneficiário. O livro descreve longamente o agouro que se perpetuou pelas décadas seguintes, em grotescas disputas judiciais entre familiares e pelo espólio milionário e pelo legado musical impalpável de Jimi Hendrix. – POR PEDRO ALEXANDRE SANCHES

3
A BABEL DE BROWN

Um dos rumores que se espalham sempre que Carlinhos Brown lança um disco é o de que as letras do cantor, compositor e ritmista baiano não fazem sentido, não dizem coisa com coisa. Ele, de fato, gosta de usar onomatopéias, dialetos, expressões em iorubá, idiomas misturados, signos do candomblé, nada facilmente decifrável. Concebido numa babel simbólica e geográfica, o novo A Gente Ainda Não Sonhou foi bancado pela Sony BMG espanhola, e chega ao Brasil com alguns meses de atraso, pela Som Livre.

O repórter pergunta de que fala a canção Aroma da Vida, que mistura signos católicos, muçulmanos, africanos. “Fiz para minha mãe, Madalena. ‘Aromadá’. O apelido dela é Madá”, explica, de seu jeito peculiar. Sobre Te Amo Família, revela quem é tia Nazaré (“ela trabalha com Marisa Monte, é a segunda mãe dela, é muito tia”), mas mantém segredo sobre os outros personagens citados na letra, tio João José e tia Salomé.

Marina dos Mares não foi feita para Dorival Caymmi, mas, quando Brown descobriu que foi feita no dia do aniversário do patrono baiano, converteu-se em homenagem automática. “O mar gera o samba, a nação e a comida”, espreita uma explicação. E fala sobre o uso da “língua” do candomblé: “A única herança ancestral que nós, negros, temos é a dos orixás. Fora isso, não temos nenhuma. Se alguém não tem herança aqui no Brasil somos nós”.

Conta que, para lançar o disco no Brasil, teve que passar por “disciplinas”: “Fiz media training, instruído pelas lideranças das gravadoras, que são muito sérias. Rapaz, os caras estão ajudando, é legal”. A quem interessar possa, media training é uma espécie de breve curso em que jornalistas “ensinam” o entrevistado a enfrentar a imprensa.

Aparentemente, o tiro saiu pela culatra dos treinadores, pois Brown está mais Carlinhos do que nunca. Responde assim sobre a ligação umbilical entre a música baiana mais populista e a era Antônio Carlos Magalhães: “A mídia está toda no Rio e em São Paulo. Quando um baiano defende um dos nossos, o ACM ou outro qualquer, é mais cultural, familiar. Em São Paulo, o cara defende o Maluf”.

Seja compreendido ou não, caracteriza as letras que cria como essencialmente afetivas. Ali, a língua é apenas detalhe, efeito rítmico, “um instrumento sonoro”. “Vou juntando, pode dar momentos emocionais fortes ou pode ninguém entender nada. O que gosto muito é que as músicas mais tontas são as que o pessoal mais canta. E cada um canta do jeito que quer, é tão legal, tão dadaísta.”

Um assessor intercepta a ligação telefônica, à moda habitual entre astros pop planetários, e avisa que o tempo está esgotado. Brown finaliza, bem particular: “Sugiro férias coletivas para músicos no Brasil. Para fazerem letras e músicas lindas. Negócio de show e disco está muito… diferente, né?”. POR PEDRO ALEXANDRE SANCHES

4
VIVO, NA CONTRAMÃO
Ney Matogrosso relembra preconceitos e afrontas à ditadura e ganha um novo público masculino em show inédito

POR PEDRO ALEXANDRE SANCHES

Um dia, no início dos anos 70, o jovem Ney foi fazer uma visita à tia, calçado com um par de sandálias havaianas. Ela passou um recado curto e grosso: “Você nunca mais volte aqui com seus pés de fora”. No futuro, freqüentaria muitos shows do sobrinho, então transformado em cantor famoso. Mas ele nunca voltou a pisar na casa da tia.

“Na época só se podia andar de sapato. Quando lançaram as havaianas eu disse ‘meu Deus do céu, que felicidade, libertaram os pés da gente'”, relembra Ney Matogrosso. “Não podia voltar à casa de uma pessoa que me escorraçou porque eu estava com o pé de fora, isso é absurdo.”

Muita coisa aconteceu daquele tempo para cá. As havaianas, por exemplo, se tornaram uma espécie de calçado oficial do Brasil. Homens usam livremente camisetas tipo regata, que traziam dissabores para o Ney dos anos 70, como ele recorda durante a entrevista em seu apartamento carioca, no Leblon: “Me xingavam na rua porque eu estava de camiseta, dessas sem mangas, fuleiras, que hoje todo mundo usa. Em São Paulo, fui morar no Bixiga, e já era hippie, cabeludo. Passava pela rua e as pessoas batiam as janelas na minha cara. Ficavam indignadas com a minha presença”.

À frente do conjunto Secos & Molhados, Ney construía à época uma figura masculina ímpar, ao mesmo tempo agressiva e fortemente sexualizada. Na estréia do novo show, Inclassificáveis, em outubro passado, ele mostrou que, aos 66 anos, mantém preservada a voz aguda de grande extensão, bem como a persona sexual vestida de nudez e fantasias provocadoras de signos indígenas, ciganos, mouros, hollywoodianos, umbandistas, homossexuais, fronteiriços. Descendente de paulistas, argentinos e indígenas mato-grossenses nascido em Bela Vista, fronteira com o Paraguai, ele responde se as atitudes libertárias tinham desde o início o objetivo consciente de provocar. “Não era provocação, não tinha intenção. Sei lá se tinha, em que grau. Talvez, né?”

Do enfrentamento comportamental exercido nas ruas, nascia o homem público (e inicialmente mascarado) que trouxe a androginia para os palcos brasileiros em pleno 1973, sob reinado de terror e tortura do presidente Emílio Garrastazu Médici. Com Sangue Latino, O Vira e Rosa de Hiroshima, os Secos & Molhados viravam sucesso popular avassalador (e efêmero), à margem e ao largo da ditadura militar.

Reações contrárias partiam da própria comunidade cultural, como na primeira temporada dos S&M, no teatro de Ruth Escobar. “No último dia, Ruth foi ver, e eu disse: ‘Hoje vou caprichar’. Usei uma pele de jacaré presa ao corpo todo, o rabo enorme balançando no chão. Ela disse que não queria aquela gente ali, que eram uns maconheiros que atraíam só gente doidona”.

Sob o jugo da censura implantada nas redações e tevês, Ney teimava contra tentativas explícitas de reprimir maquiagens, rabos-de-cavalo e até mesmo olhares. “Na primeira vez que fomos à Globo, existia uma regra lá dentro que ninguém podia olhar para a câmera, porque não podia se comunicar com quem estava em casa. Disseram isso na minha cara. Eu disse: ‘Mas vou olhar’. E olhei.” E aí? “Aí, nada. Olhei a vida inteira.”

As reações dos militares, por incrível que pareça, não eram tão frontais. “Só recentemente eu soube que ouviram dizer, na Censura, que eu não tinha mais jeito, que meu caso era ‘só matando mesmo’. Chico Buarque me contou que quando ia lá eles ficavam perguntando se ele me conhecia, falando mal de mim. Mas nunca me chamaram. E eu me fazia de morto.”

Militar era também o pai de Ney de Souza Pereira, de quem ele “roubou” o sobrenome Matogrosso. “Eu ignorava a ditadura, porque o máximo de autoridade da minha vida era meu pai, que eu já tinha contestado lá atrás, quando saímos na porrada, ele disse ‘fora daqui’, e eu fui.”

As pazes com o pai não tardaram. Ele se tornou freqüentador dos shows a partir de 1975, data da estréia-solo de Ney. Na ocasião, o filho se vestia com couros e chifres de carneiro e segurava uma ameaçadora queixada de boi, que usava como arma enquanto cantava desperta, América do Sul! Tratava-se de provocação política explícita, diz. “Era para dizer ‘acorda!’. Os militares fizeram exatamente a coisa certa, do ponto de vista deles, que era nos desagregar, para que não fôssemos um bloco. E conseguiram.”

Curiosamente, o início da formulação da figura que viria a ser Ney Matogrosso se deu na recém-nascida Brasília, para onde ele se mudou em 1961. A convite de um primo médico, virou funcionário do hospital distrital, trabalhou no laboratório de anatomia patológica, cuidou de crianças em estado terminal. O instante fundador para o artista se dava numa cidade em construção, que persiste na memória como um lugar onde “valia tudo”.

“Todos vinham de outro lugar, ninguém tinha raízes ali. Tudo que quisesse fazer você podia, tudo podia. Você ouvia falar dos deputados que davam festas nos sítios e enchiam de travesti. Era tão liberado que de tarde todo mundo fumava maconha nos jardins das casas, acendia um baseado e fumava. Ninguém prendia ninguém, porque a polícia não sabia quem era quem. Podia ser o filho de um senador, ou o próprio senador…”

Em Inclassificáveis, Ney adota uma atitude que notabilizou artistas como Elis Regina, de apresentar um repertório majoritariamente inédito diante da platéia, sem disco que preceda o show. E reúne mais um bloco de novos compositores e/ou canções, como sempre fez, à diferença da maioria de seus pares. Desde os anos 80, tem dado visibilidade a autores tão diversos como Itamar Assumpção, Cazuza (que foi seu namorado), Pedro Luís e, no novo show, o jovem Dan Nakagawa.

“Fui a um ensaio ouvir a versão que ele fez para Um Pouco de Calor. Eu estava nervoso, queria gostar. E ele me disse que também estava apreensivo. Enfim, gostei muito”, descreve Nakagawa. “Vê-lo acontecer ao vivo refresca a nossa caretice.”

Ao vivo, Ney volta mais uma vez aos figurinos expressionistas e à postura sexual ostensiva, após uma fase longa em que se dedicou a reinterpretar clássicos do cancioneiro nacional, não raro vestido sobriamente, de terno. “Eu ouvia falar: ‘Ah, ele só faz sucesso porque fica nu, porque exibe o corpo’. Também fiquei na dúvida”, justifica aquela guinada.

Agora, um novo fenômeno acontece ao redor do artista, como se pôde perceber na temporada paulistana. Conhecido como pólo de atração preferencial sobre o público feminino, notadamente senhoras de meia-idade para cima, Ney testemunha um inédito afluxo de homens.

“O público dele sempre foi de mulheres de classe mais popular, acompanhadas de maridos e namorados constrangidos e mudos. Eu nunca tinha visto uma reação jovem e masculina tão forte como agora”, afirma do DJ Zé Pedro, que assiste aos shows desde o final dos anos 70.

De fato, na sexta-feira 19, o espetáculo de moças e senhoras em delírio era complementado por vozes masculinas aos gritos de “gostoso” e “me leva para o seu harém” (“que harém?, cadê o harém?”, ele pergunta, divertido). Rapazes jovens pediam autógrafo à beira do palco ou subiam à cena para roubar um beijo do artista. “Isso não vem de hoje, e não acho que determine nada. Estão ali de farra, em turma. Mas acho precoce. A internet evidencia uma revolução enorme no comportamento sexual dos adolescentes.”

Se houver uma revolução em curso, o veterano Ney ocupa o holofote central no front masculino, como tem ocupado quase solitariamente há mais de 40 anos. Na geração passada, tentativas de transgressão como as de Cazuza, Renato Russo e Cássia Eller se colaram ao imaginário como passíveis de punição e morte precoce. Mas o respeitável senhor se insurge contra tal imagem: “Não é verdade. Estou aqui para dar provas de que é possível ser transgressor e ser feliz”.

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