não, eu não sou uma bruxa! *

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papelão, hein?… garanti que não ia sumir e… sumi!!!

é que, sabe?, foi dando uma modorra… as férias foram correndo pelas veias, bombaram as artérias, encheram os pulmões de oxigênio e se impuseram: “por favor, pare agora!”. de escrever, eu quero dizer. o esqueleto estava precisando de repouso, o cérebro já circuitava em piloto automático, a ansiedade por escrever andava mais forte que o prazer e o gozo em escrever (tudo isso em período menor que quatro meras semanas, cê acha?! eu acho, eu achei…).

vai daí que agora miro pela frente o ofício robusto de lubrificar as juntas, reconectar o tico e o teco, readquirir o desejo de ter opinião em vez de ficar só observando e olhando e fazendo “hum” enquanto passa o comboio quase sempre tresloucado do dia-a-dia. algo me diz que vai ser devagar, que a vontade ainda é maior de ficar só espreguiçando, alongando, bocejando, ruminando… cenas dos próximos capítulos?: espero poder contar com a paciência [mas e a tagarelice? que fim levou? gato comeu?] da comunidade, das visitas repentinas, dos viajantes-em-trânsito, contarei? então, acho que é meio isso. câmbio, (ando meio) deslig(ad)o.

desligo? não, não desligo! já que músculo só enrijece na malhação, apenas algumas coisinhas, só pra não dizer que não falei de músicas.

1
o que ando farejando feliz e embasbacado nestes dias ainda preguiçosos é “yes, i’m a witch”, o recém-lançado disco da veteraníssima yoko ano, 73 anos de diabruras e bruxarias inscritas num currículo para lá de interdisciplinar. achei (porque encontrei) o disco dela lá entre os perfumes de “sou culto” e “sou moderno” e “sou antenado” que exalam das tubulações sobretaxadas da daslu dos discos (quero dizer fnac, versão s.p). e achei (porque considerei) que o disco daquela que ainda hoje é tida como (ex-)sra. john lennon é fantástico, espetacular.

a primeira pessoa de quem me lembro toda vez que alguém profere perto de mim essa quase onomatopéia – yoko ono! – é luiz calanca, o incrível capitão da incrível nau-sebo-gravadora independente baratos afins. me lembro de suas debochadas camisetas em homenagem a yoko, de sua adoração incondicional por yoko e de uma de suas frases de efeito recorrentes (e também espetaculares), aquela que diz que “o meu beatle predileto é yoko ono“. hoje, com “yes, i’m a witch” na caixa de som, fico me perguntando se, acima de qualquer efeito, o que as frases e camisetas do luiz queriam (como ele segue querendo, sempre) dizer ao excelentíssimo freguês, não era, mais simplesmente, algo como “deixa de ser preconceituoso, mané!, você por acaso alguma vez ao menos ouviu yoko ono antes de rejeitá-la?”.

eu, freguês e discípulo, admito: não, eu não tinha ouvido. para mim, como para a torcida fanática da beatlemania, era tão mais fácil rotular yoko como a “megera destruidora de beatles”, com base filosófica (fi-lo-só-fi-ca???) em todo aquele antiqüíssimo lengalenga do “bode expiatório, do “agente laranja”, do “elemento emergente”, para achincalhar a anarquia em que (alguns d)os beatles sonhavam (não tão) secretamente em mergulhar, e para legitimar a preguiça atroz de sequer ter curiosidade em conhecer o lado escuro do sol, dos sóis…

pois isso são águas passadas, você sabe. até mais que isso: quando artistas “modernos” como the flaming lips, peaches, le tigre, antony, jason pierce, cat power, dj spooky etc. etc. etc. se mobilizam para reprocessar os clássicos obscuros de yoko e transmutá-los para linguagens “atuais”, talvez já tenha passado da hora de concluir (-questionar): agora é moda gostar de yoko (é?). pois que seja, com efeito daslu e tudo: nada mais gostoso que viver numa época em que os ouvidos esboçam um princípio de dilatação, em que as percepções (mesmo as mais consumistas) ensaiam se abrir para aquilo que tem a dizer o sempre oprimiddo elemento marginal expiatório (mesmo que multimilionário, como imagino que seja dona yoko) da esquina ali adiante (alô, arnaldo baptista!, alô, maria alice vergueiro!).

pois, ouvindo “yes, i’m a witch”, eu me sinto nalgum termo suspenso no tempo e no espaço, entre a contemporaneidade do velvet underground e a contemporaneidade do cansei de ser sexy, entre a zoeira do “experimentalismo” e a fofura do “kiss kiss kiss”, entre o fogo bélico do ocidente e a água bélica do oriente, entre a violência pontuda masculina e a violência entranhada feminina, entre a misoginia-homem dos beatles (dos mutantes) e a miso(andro)ginia-mulher de yoko (de quem?). e fico embevecido em perceber que a undergroundália continua viva e chutante, pairando além (ou melhor, aquém, aqui dentro) de todos esses valores em conflito, mesmo nas franjas do mainstream.

2
vai daí que também quero contar de um momento altamente inusitado que presenciei em férias, por puro acaso. estando em salvador nalguns dias de fevereiro, antes do carnaval, eis que me deparei não mais que de repente com um programa inesperado: um show-homenagem coletivo a mãe menininha do gantois, naquele espaço extraordinário que é a concha acústica do teatro castro alves (você já foi à bahia, nego?, não?, então…).

nem sei se os jornais daqui do umbigo-sul(deste) noticiaram, mas, vou te contar, era um treco assim: gal costa, caetano veloso, maria bethânia, gerônimo, mariene de castro e márcia short ficavam o tempo todo sentados no palco assim quietinhos, caladinhos, assistindo como nós ao show que eles mesmos (assim como nós) protagonizavam. a cada momento, um deles se levantava e solava, para a observação compenetrada, nossa e dos colegas, dos mainstream & dos underground, dos protagonistas-artistas e dos protagonistas-platéia.

na ciranda do candomblé e no tempo-espaço exclusivo da bahia, víamos a concha libertar pouco a pouco seus moluscos. víamos maria bethânia eficaz como sempre (apesar de um tanto distanciada na aura tirana da diva). víamos caetano veloso austero e bem-comportado (embora aqui e ali elegesse repertório que parecia precisar homenagear mais a si prório que às mães menininhas do candomblé). víamos gal costa se desviar do tema proposto na escolha das canções (mas dar a volta por cima graças ao apoio incondicional do público e à própria alegria que ia vazando dos poros da melancolia). víamos márcia short comprimida entre dois pólos equivalentemente intimidadores (o mainstream e, sim, o underground). víamos gerônimo em estado de graça (no balanço que “é d’oxum”, na pena marginal de índio baiano, no conforto do terreiro natal, na graça das canções expiatório que o brasil não-baiano pouco se interessa em conhecer). e víamos mariene de castro roubar o show e rodar a baiana feito uma entidade, feito pérola dentro da ostra-mãe que no passado já gerou clementina de jesus e clara nunes (nunca supus essa força da mariene, nem quando ouvi seu disco independente poucos anos atrás, e muito menos naquele mesmo dia, quando a vi pela tv, meio desanimadinha, dando entrevista para a globo local).

parecia, mesmo, que ali naquela cidade (e naquele palco-concha) todo mundo era d’oxum, e eu fiquei curioso me perguntando por que é que um evento daquela natureza só acontece na bahia. porque ali estão plenamente acolhidos, se sentindo em casa, será? bom, nem é bem assim, porque para qualquer um que estivesse com os dois olhos bem abertos a fogueira das vaidade queimava evidente dentro da concha, soltava até fumaça. o diretor do espetáculo (e do grupo teatral do olodum), márcio meirelles, explicou que daniela mercury desaparecera subitamente do elenco porque “ficou presa em são paulo”, ãhã. e alguém haverá me explicar um dia como seria possível que gal e bethânia algum dia cantassem o dueto da “oração de mãe menininha” de dorival caymmi a (quilô)metros de distância uma da outra e sem se olharem nos olhos nenhuma vez sequer.

pois, olhe, foi o que aconteceu. nem foi menos bonito por causa de tanta distância, mas que eu garrei a matutar, ah, isso garrei: será que artistas cultos, maduros, verdadeiros faróis condutores da sensibilidade geral da nação, também praticam aquele infernal hábito pré-primário de “ficar de mal”? e aí, indagações ainda mais aflitas:, será que a nossa imaturidade É a imaturidade de nossos ídolos?, será que mariene de castro É (e será) maria gal bethânia costa?, será que as abelhas-rainhas e os zangões institucionais “ficam de mal” por motivos tão estapafúrdios e infantis quanto os que já nos fizeram “ficar de mal” de alguém um dia?

3
e, dito tudo isso, puxando fios de meadas tão tresloucadas quanto as que emendam lou reed a yoko ono a lovefoxxx a gal costa a maria bethânia a gerônimo a peaches a mariene de castro, eu me lembro assim de repente de… britney spears (e de george w. bush, seu duplo-anti-duplo ultra-pato(i)(lógico)-masculino, que por força das ondas do destino deu de querer desembarcar nas ancas do brasil justamente hoje).

parece que britney (ex-amiga da madonna, aquela que boy george detesta por ser homofóbica; o homem misógino É a mulher homofóbica?, o homem homofóbico É a mulher misógina?) virou o bode expiatório da vez, a cabra da peste da temporada, né? – careca, anticristo, desmaiada, sem-calcinhas, intoxicada, mãe irresponsável, desintoxicada, sabe o oratório todinho, o rosário judaico-cristão-islâmico-budista-macumbeiro inteiro?… “maníaca”, “depressiva” (ou, no termo mais tênue e menos inquisitorial, “bipolar”), esses termos não aparecem, não, que esses a mídia carniceira tem pudor maçônico em utilizar, né?

não sei se a multidão feroz (e a mídia hidrofóbica que a arrebanha) está tão disposta a decretar que britney “só quer aparecer e chamar atenção” quanto esteve de julgar (e condenar) yoko como “demônia demolidora de beatles”, mas… será que ninguém está vendo estamira em britney?, será que vamos continuar dando aqueles gargalhinhos nervosos de quem (finge que) não tem nada a ver com isso diante dos evidentes pedidos de socorro que britney anda nos enviando em rede planetária? (alô, mr. michael jackson!) caça à(o)s bruxa(o)s já era, era medieval, ou será que, oops, we did it again?, we’ll always do it again?

pronto, taí, lubrificando aos pouquinhos. deixa agora eu tentar responder os comentários do tópico anterior, que estão atrasaaaaaados. té logo, comadre, compadre.

[* quando escrevi as linhas gerais deste texto, ontem, 7 de março, eu não estava minimamente concatenado com a idéia de que hoje, 8 de março, seria “dia da mulher” – não em termos racionais, pelo menos. e saiu assim, tudo entrelaçado com os labirintos da identidade feminina (e masculina), e você vê que “loucura” – alô, estamira-que-somos-nós! – é a intensidade com que a gente se vê de repente embebidA no caldo de cultura que está fervendo ao nosso redor, bem aqui no aqui-e-agora, não é mesmo?]

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