let’s take a walk by ourselves

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teve pinta de data histórica, apesar de testemunhada por não tantas pessoas assim, a noite de quinta-feira 16 de novembro de 2006, quando aconteceu, na choperia do sesc pompéia (sp), o minifestival mix music. trata-se de um esforço colateral ao festival mix brasil, e é levado na garra pelos queridos rodrigo araujo e andré pomba. a edição deste ano foi espetacular.

desta vez, além de apostar na diversidade sexual, o mix music apostou, também, na diversidade geográfica. começou pelo extremo sul do brasil, pelo rio grande do sul da banda 808sex, furiosa e “snob” com seu electro-rock “mixed” (linda vocalista-menina, bravos marmanjões alternados entre o rock e a eletrônica) praticado naquela que (ainda) (ainda?) é a língua oficial da música indie (im)popular brasileira – ou seja, o inglês.

o poder comunicativo aumentou horrores na seqüência, com las bibas from vizcaya. segundo a lenda, são “nascidos no brasil e atualmente vivendo entre barcelona e amsterdã”, mas… vai saber, lalaialaiá… ao menos a bfv (biba from vizcaya) marisa touch-fine eu conheço bem, aqui de são paulo mesmo: é o também querido alisson gothz, extraordinário no papel de popstar (e de sósia de glenn close em “ligações perigosas” conjuminada com rapunzel). se é que você me entende, marisa touch-fine e (a igualmente incrível) dolores de las dores são homens, assim como o dj george m. é mulher (e sofre nas garras aparentemente misóginas de dolores). o imaginário da(o)s bfv é vivíssimo, divertidíssimo, agudíssimo – além de ser típico produto da cyber-era, em que o boca-a-boca, o ouvido-a-ouvido e o olho-a-olho são conduzidos competentemente via internet (experimente e se deleite, os vídeos em you tube são de rolar).

veio em seguida o montage, electro-punk-ciranda made in ceará, liderado por daniel peixoto, um david bowie em cujo sangue borbulham luiz gonzaga, lampião, raul seixas, clemilda, chico science & cordel do fogo encantado – sem braseiro, sem fornalha, mas com muito forno e muita brasa, mora? o imaginário é (quase) tão trans quanto o das lbv (em cujo show, aliás, daniel peixoto fez aparição especial), mas, aqui, o objetivo não é, nunca, fazer piada (oba!).

por fim, de volta ao sul, pude conhecer finalmente a música, a rebeldia e a anarquia de palco meus conterrâneos paranaenses do bonde do rolê, possivelmente o ato mais tresloucado, entregue e endiabrado que eu vi nos últimos váááários anos. é funk-axé-carioca de letras em português beeeeem pornô (e, por vezes, transversalmente politizadas), mas de um jeito bastante distindo dos de deise tigrona, tati quebra barraco ou preta gil (que parecem ser, ainda assim, referências centrais para o bdr, o bonde do rolê). a folclórica tieta, por exemplo, é um dos temas, mas com rima bem mais direta que “eta, eta, eta”; no revés, james bond também é mote, mas de modo beeeeem transgressor (“saci, saci, saci/ james bond é travesti”) – ai, não vou nem tentar explicar mais, porque sei que não vou conseguir.

a propósito. vendo-o(a)s ao vivo, não é assim tão difícil imaginar por que é que a garotada do cansei de ser sexy e a molecada (ainda mais intensa, na minha modesta opinião) do bonde do rolê têm tudo para virar (e de fato já vão virando, devagarinho) ícones bem mais que brasileiros. é assim, com muita energia e sem maracas ou berimbaus (como diria pedro noizyman), que números como css e bdr têm propagado ideais de um novo brasil para o mundo – e com enorme sucesso, segundo contam todas as notícias (não há, desta vez, críticos brasileiros à la carnegie hall, para jurar de pés juntos que a bossa nova é um fiasco lá nos estranjas).

é assim que esse(a)s garoto(a)s têm dado um nó no pensamento indie brasileiro (pois, ora, ser indie no brasil não era, até há pouco, ser impopular, ficar longe do “grande” público e se lamentar pela falta de sorte e atenção?), no mesmo instante em que os mutantes voltam em estado de graça (apesar de, infelizmente, sem rita lee). dão um rolê sozinho(a)s por aí e emplacam rapidamente planeta afora [css, cê sabe, está contratado pela sub pop (alô, nirvana!) e corre o mundo no cyber-trailer pós-mambembe do circo pós-globopop, sgt. peppers lonely hearts club band versão século xxi; bdr vai pelo mesmo rumo, embora não tão depressa nem tão intenso]; no transvés, conquistam até aum tanto de simpatia (e um monte de antipatia reativa) aqui no brasil natal (& suas bordas pós-fronteiriças).

um lembrete, no entanto, ainda falta ser feito. vem imediatamente à mente quando se ouve e/ou vê cansei de ser sexy, bonde do rolê, montage, las bibas from vizcaya, 808sex, daniel belleza & os corações em fúria, noporn, entre outras muitas-muitas-muitíssimas: nenhuma destas bandas de nova música popular transbrasileira existiria da forma como existe se, taking a walk (on the wild side) by them(our)selves, o caminho (essencialmente underground) não tivesse sido aberto antes por uma dupla paulistano-mineira-britânica que está inscrita no dna de todas essas bandas-filhotes: tetine.

se tetine não tivesse feito antes suas experiências de tez (trans)sexual-comportamental-musical, a bordo de muita performance, muita música mundial brasileira e muito teatro-rock-funk-carioca-paulista-mineiro-europeu, não existiria esta nova leva, não existiria a onda de sucesso desta nova patota.

se tetine não houvesse tanto falado do brasil aqui mesmo em sp (naquela época, o brasil de tetine era representado, no palco, por uma formosa atriz anã) e se tetine não houvesse, depois disso, tomado estrada do brasil para a europa & alhures, não existiriam css, bdr e um punhado de pós-siglas pós-(e-pré-)brasileiras.

o mix music 2006, mesmo que não o tenha citado explicitamente e/ou mesmo que não o soubesse racionalmente, foi um tributo iconoclasta e vivaz ao tetine. também por isso é que foi histórico. ave, tetine (&, na curva do tempo, ave, mutantes!, ave, nova música transglobrasileira!), made in brazil, filed under hybrid!:

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