O mano está na estrada há miliano, até que o espírito do tempo (ou dos santos) decide que ele é o cara certo, no lugar certo, na hora certa.

Criolo, ex-Criolo Doido.

Criolo, um boa-pinta segundo dona "Serafina", em foto-divulgação de Fernanda Negrini

Lançou “Ainda Há Tempo”, em 2006 [p.s.: um camarada me diz que o disco é de 2002, alguém aí sabe com certeza?], no momento histórico em que o rap paulista se cansava do carimbo norte-americano sempre estampado na testa e começava a ensaiar uma reaproximação com o Brasil e as brasilidades.

À época, Criolo sampleava Paulo César Pinheiro e Eduardo Gudin e Baby Consuelo e Luis Vagner e Trini Lopez e Celly Campello (e Walt Disney). “Tô pra vê o mundo aqui sucumbi/ você pode até sorri, mas no final vai chorá”, avisava em “Tô pra Vê”, sob base de “Sem Pecado e sem Juízo” (1985), sucesso de Baby Consuelo às vésperas da conversão evangélica.

Não virou hype. Ainda havia tempo.

Nalgum outro momento histórico do rap nacional, o caminho de Criolo Doido cruzou o de Daniel Ganjaman, integrante do coletivo paulistano Instituto e produtor musical de nomes como Racionais MC’s, Sabotage, Helião & Negra Li, Nega Gizza (autora do crucial hino feminista “Prostituta”, de 2002), Renegado, Mombojó, Forgotten Boys e For Fun.

 

Por razões que nós, consumidores de música, não entendemos muito bem (nem os que somos jornalistas “especializados”), se fez o hype – perdoe a palavrinha estúpida, hoje é inevitável. Há alguns meses começou a se movimentar uma roda-gigante na qual quem mora no planeta pop já brincou trocentas vezes.

Corações, fígados e mentes paulistas se viram atingidos em cheio por “Não Existe Amor em SP”, cartão de visita de “Nó na Orelha”, o segundo disco de Criolo (e seu primeiro pós-rap ortodoxo), produzido por Ganjaman.

O filme que está em cartaz agora é manjado à beça. Os primeiros jornalistas (ou melhor, hoje em dia, blogueiros, twitteiros etc.) se encantaram. Os próximos se encaixaram no efeito-manada “ainda não ouvi, mas já sei que vou amar”. (Os indecisos ficaram meio na moita.) Filhotes dos hype-victims, surgiram ato contínuo os da manada oposta, antihype-victims, “ainda não ouvi, mas odeio desde criancinha”. Os “não ouvi, odiei, não vou ouvir” de plantão repetiram sua ladainha, o melhor objeto de rancor de todos os tempos da última semana. Hype bom é além-fronteira, hype daqui é lixo tóxico.

A maior parte da população, do “centro” ou da “periferia”, nem sequer tomou conhecimento do assunto. Mas os midia victims, nós todos que aqui estamos, seguimos desempenhando os mesmos papeis na mesma novela no mesmo horário no mesmo canal.

Muita gente preguiçosa entrincheirada em todos os lados, mas deixa isso pra lá.

Inevitavelmente, o deslumbre chegou ao destaque máximo na Folha de S.Paulo. Neste domingo, Criolo foi capa do suplemento mais fútil-elitista (perdão pela redundância) do jornal, a revista Serafina, batizada com o nome da mãe do ex-funcionário e ex-presidenciável paulistano José Serra.

O hype está armado pela e para a centrodireita (a direita extrema talvez demore um pouco mais, afinal “Veja” está ocupada invadindo e grampeando quarto de político, “ai como eu tô bandida”, copyleft @JornalismoWando).

Caetano Veloso já confirmou: vai cantar “Não Existe Amor em SP” ao lado de Criolo, no VMB da MTV do CQC do V.I.P. Criolo lembra Osama Bin Laden que lembra Caetano, e Narciso não gosta do que não é espelho. Caetano tem opiniões sobre o mais novo darling, sobre o parentesco entre “Ronda” (de Paulo Vanzolini), “Sampa” (dele mesmo) e “Não Existe Amor em SP”. A centrodireita está em festa, a centroesquerda também começa a se assanhar.

A intervenção de Caetano, como sempre desde 1968, dá nó na orelha da turma toda. Agora os adeptos de primeira (e segunda) hora do hype precisam decidir que rumo tomar: a) deixam de gostar de Criolo, opinam que ele ficou mascarado, garantem que a fama lhe subiu a cabeça, blablablá; b) continuam gostando de Criolo e xingam MUITO Caetano no Twitter. Os adeptos do contra, do conformismo anticonformista, constatam: “Viu? Eu não falei?”, “Eu sempre soube que Criolo era de mentira”.

Criolo a esta altura já está meio Doido. Ele já havia abdicado do codinome psiquiátrico, que duplo estigma é chamariz demais para o reacionarismo neoliberal puxado pelo amontoado Folha-MTV-Veja-etc. Providência inútil, pois desde que vire vidraça não escapará dos estigmas. Não devemos – nem queremos (queremos?) – subestimar os preconceitos. O racismo opera no hype e no anti-hype.

Não bastasse, começam a insinuar muuuuuito sutilmente que Criolo leva jeito de gay. Ele se defende, sem depreciar a homossexualidade. Pronto, o aparato homofóbico lhe cai sobre a cabeça. Macho que é macho tem que ser viril feito Viagra e espezinhar a luta anti-homofobia como coisa de viado. “Politicamente incorreto” é o termo politicamente correto para escamotear intolerantes, mal-educados e outros escroques. Ainda chamarão Criolo, ele mesmo, de mal-educado.

E ele lança novo videoclipe, de “Subirusdoistiozin” (algo como “morreram dois caras”, em paulistês criolês). O tacador de fogo André Forastieri inflama a animada Comunidade da Bizz no Facebook. Surgem as primeiras “denúncias”: a estética de Criolo é “publicitária”.

 

Precisamos urgentemente encontrar um termo “novo”, que substitua a “cosmética da fome” da época de Cidade de Deus (2002). Seja como for, é batata, sempre que preto, índio ou crioulo das quebradas faz sucesso (e/ou faz clipe com bufunfa e merchandising “sutil” da Nike), a claque sobe: “Quem é de mentira sabe quem é de mentira!” (copyleft Mamelo Sound System). [P.S.: pra quem notou a perversão do verso do Mamelo – no copyleft pode, né? A troca de “gíria” por “rima” mais abaixo, também notada, eu consertei, obrigado!]

Muita gente preguiçosa de todos os lados. Os que amam e os que odeiam Criolo amam e odeiam sem se dar ao trabalho de citar suas músicas, suas letras, os pontos cômodos e incômodos do discurso do cara. A gente que vaia Amy Winehouse viva é a gente que aplaude Amy Winehouse depois de morta. É a mesma gente, fazedora e engolidora de monstros, de frente pro espelho. É nóiz.

A primeira faixa, o samba-funk “Bogotá”, fala sobre tráfico e consumo de drogas. No “centro”, não na “periferia”. “Cada um sabe o preço do papel/ que tem/ e de onde vem.” Silêncio. (E ai de Criolo, se ousar participar de clipe moralista do Rock in Rio).

“Gosta de favelado mais que Nutella/ quanto mais ópio você vai querer?/ uns preferem morrer a ver o preto vencer”, volta ao tema em “Sucrilhos” (perceba o nome). Silêncio estrondoso dos que odeiam, dos que amam. “Ah, mas o cara é peixinho do Caetano!”, argumenta um descontente, a fisionomia escandalizada. “Querê tapá o sol com a peneira/ é feio demais/ e cocaína desgraça a vida de um bom rapaz”, “acostumado com sucrilhos no prato/ morango só é bom ca preta de lado”, “eu tenho orgulho da minha cor/ do meu cabelo e do meu nariz/ sou assim e sou feliz/ índio, caboclo, cafuzo, crioulo/ sou brasileiro.”

O samba suingado “Linha de Frente” encerra o disco voltando ainda uma vez ao assunto espinhal e tirando Maurício de Souza do contexto habitual. A melodia plagia “Tristeza Pé no Chão” (1973), sucesso falsobaiano de Clara Nunes. “Magali faz a cabeça da situação/ é que essa padaria nunca vendeu pão/ e tudo o que é de ruim sempre cai pra cá/ tem pouca gente na fronteira, então é só chegar/ o dinheiro vem pra confundir o amor”, “na turma da Mônica do asfalto/ Cascão é rei do morro e a chapa esquenta fácil.” Silêncio estupefaciente, ou então chamarão Criolo de moralista, neoCapitão Nascimento – só ele, o espelho não.

“São Paulo é um buquê” de “flores mortas”. Incômodo semi-silencioso. O aglomerado partidário do filho da Serafina, que governa há duas décadas a cidade onde (não) existe amor, afirmará por intermédio de sua assessoria de imprensa que não irá se pronunciar. A claque abana orelhas sem nó: “Criolo e Seu Jorge são de mentira. Não existe amor no BR”.

O candomblé samba-funkeado “Mariô” é parceria e dueto com Kiko Dinucci, coautor também de Metá Metá (que amplos setores da blogosfera afirmam ser o melhor disco de 2011, mas eu e a “grande” mídia ainda não apreciamos com a devida atenção – afinal, estamos ocupadíssimos pensando em Criolo). “Quem se julga a nata, cuidado pa não coaiá/ atitudes de amor devemos sampleá/ Mulatu Astatke e Fela Kuti escutá”. Não existe amor em SP. Nem na África. “Fia, eu odeio explicá gíria”, “tenho pra você uma caixa de lama/ um lençol de fel pra forrar a sua cama.” Existe ódio em SP. Na “periferia” e no “centro”.

Enfim, vou te falar sinceramente: até agora eu não sei quanto gosto e quanto não gosto da obra do Criolo. Eu, “crítico”, musical, (mal)pago para ter certeza do que acho, “Veja” só você…

Mas, taí, será o benedito que a gente não percebe que faz tudo sempre igual?, conservadores alérgicos a qualquer mudança desde criancinhas?
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15 COMENTÁRIOS

  1. eu tenho essa sensação de não saber se é pra gostar ou não desde que ouvi pela primeira vez. e ela perdura. tem horas que amo. tem horas que acho estranho… confesso que não sei também o que me diz o caetano gostar. mas daí. gosto de me sentir confusa. então, eu acho que eu gosto. mas tudo muito confuso ainda…

  2. Texto Doido hein Pedro… né qualquer um que vai digerir isso bem não viu.. hahaha

    sou meio alheio as falações aí de SP. mas acho que consegui entender o que vc quis dizer… Tipo, estilo Tite, FALA MUITO! hehe

  3. o som do mano é legal e ele tem uma presença de palco muito boa…só acho que, assim como ele, eu gostaria de ver ao menos uns outros 3 ou 4 com a mesma possibilidade de acesso aos meios como ele…já tava de bom tamanho…

  4. Pedro! Não conheço esse circuito, porém venho ouvindo muitos falando sobre Criolo e ouvindo nos carros, baladas aqui em Brasilia! Estranho! Me perguntei quem era? Gostei do som, a combinação dos metais, percussão… som do cara é bom! E outra é pra vender mesmo, não é regra, mas um bom disco rende uma boa grana! No mais, perdoe-me a ignorância artística até porque sou biólogo, me preocupo com a auto-importância que esses artistas desenvolvem, com tempo a prática e o discurso destroem um ao outro… vamos ver no que vai dar, obrigado pelo texto.

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